Ao pensar escrever esta review salta-me à cabeça uma série de palavras no diminutivo, porque nesta fantasia que Garnier veio escrever sobre Salazar naquele Verão dos anos 50 é isso mesmo que transparece: o Portugalinho, do ditadorzinho, que gostava de uvinhas e de florzinhas. Todo um Portugal supostamente pitoresco, de casas caiadas, de fontes de água límpida e transparente. Um Portugal feito em forma de postal, de um povo como o próprio Salazar descreve, calmo e sereno, cultivando o espírito e renegando o materialismo, tudo envolto numa família portuguesa por ele imaginada, de abnegação, trabalho e fé. E a este cenário de propaganda perfeito, o habitante de santa comba-dão que há 25 anos estava no poder, acrescentava a sua melancolia e sofrimento em favor do Estado que era centrado nele e que nele, e apenas nele, se reflectia. Mas atenção ele não gostava do poder…apenas tinha dado a sua vida à pátria. É um talentoso cínico não haja dúvida! E a francesa Christine, talvez já enfada da rua nervosa parisiense, engoliu este fascismo light, que gosta de passeios pelos campos e vive em suposta paz e serenidade. Tudo tão teatro e tudo tão falso que faz vontade de lembrar este poema do Pablo Neruda que conta o que se esconde para lá da pseudo-beleza salazarenta:
“Quando desembarcas em Lisboa, céu celeste e rosa, estuque branco e ouro, pétalas de ladrilho, as casas, as portas, os tectos, as janelas salpicadas do ouro verde dos limões, do azul ultramarino dos navios, quando desembarcas, não conheces, não sabes que por detrás das janelas escura, ronda, a polícia negra, os carcereiros de luto de Salazar, perfeitos filhos de sacristia a calabouço, despachando presos para as ilhas, condenando ao silêncio pululando como esquadrões de sombra sobre janelas verdes, entre montes azuis, a polícia, sob outonais cornucópias, a polícia, procurando portugueses, escarvando o solo, destinando os homens à sombra.”
Finalmente, li a obra de Christine Garnier. O que nela mais ressalta é o carácter «naif» da propaganda salazarista. Os mitos do salazarismo estão ali todos, contados inocentemente às crianças e lembrados ao povo, como se não fossem mitos. Tão primários e infantis, que as suas contradições se exibem no próprio subtexto. Por esses dias, Marcello Caetano interrogava-se publicamente (com a coragem que o distinguiria dos outros servidores do regime e o elevaria acima deles) se o corporativismo não passava, afinal, do conjunto das condições de exercício do poder por um homem. Toda a gente sabia que o era. Salazar, também, mas fingia acreditar que criava um regime que lhe sobreviveria e garantiria a grandeza da pátria. Provavelmente, fingia tão completamente que chegava a acreditar que criava um regime que lhe sobreviveria e garantiria a grandeza da pátria.