Padavali significa uma série de padas. Pada na sua forma madura é uma canção espiritual breve, rimada e composta em ritmos simples, de forma a poder ser cantada, segundo determinada melodia (raga). O nome do autor é incorporado na última linha, como uma espécie de assinatura. Os pada de Mirabai são uma criação puramente oral e espontânea. Como não tinha discípulos para recolhê-los, os seus pada sobreviveram na boca dos cantores itinerantes que os aprenderam, cantaram e eventualmente alteraram. A edição mais conhecida dos pada de Mirabai (a edição de Acharia Chaturvedi) contém 202 canções e foi submetida a incorporações e rejeições ao longo do tempo, à luz de novas descobertas. Nas versões aqui apresentadas foram usadas as traduções para inglês de A.J. Alston (The devotional poems of Mirabai). De forma a não inundar o texto de referências, apresenta-se em anexo apenas aquelas mais importantes.
Jorge Sousa Braga
O amor tingiu a minha pele da cor daquele que levanta montanhas Mesmo disfarçada reconheceu-me Ao contemplar a sua beleza entreguei-me Amigas deixem aquelas cujo amor está ausente escrever cartas Mira entregou-se ao seu Amado Dia e noite é só por Ele que espera
Meera [(ca. 1498-1547)], also known as Mira Bai, was a 16th century Hindu mystic poetess and devotee of Krishna. She is celebrated as a poet and has been definitively claimed by the North Indian Hindu tradition of Bhakti saints.
Meera was born in a royal family of Rajasthan, and her education included music, religion, politics and government. She married Bhojraj the crown prince of Mewar in 1516, her husband was wounded in 1518 and died in 1521 after a Hindu-Muslim battle, her own father died in a war with Babur's army in 1527, and little else is known about her life with any certainty. She is mentioned in Bhaktamal, confirming that she was widely known and a cherished figure in the Indian bhakti movement culture by about 1600 CE. Most legends about Meera mention her fearless disregard for social and family conventions, her devotion to god Krishna, her treating Krishna as her lover and husband, and she being persecuted by her in-laws for her religious devotion. She has been the subject of numerous folk tales and hagiographic legends, which are inconsistent or widely different in details.
"Estou louca de amor e ninguém se apercebe Como posso dormir se o meu Amado dorme com outra? Só quem já foi ferido compreende esta ferida só o joalheiro conhece o valor da jóia Eu perdi-o A dor arrasta-me de porta em porta sem encontrar ninguém que me cure Mira chama pelo seu Senhor Só Ele a pode curar"
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"Enquanto o mundo dorme eu permaneço acordada Num glorioso palácio de prazer sento-me vigilante e vejo uma rapariga abandonada com uma grinalda de lágrimas que passa a noite a contar as estrelas a contar as horas que a separam da felicidade Se eu soubesse que o amor e o desespero andam sempre de mãos dadas teria pegado num tambor e iria proclamar pela cidade que o amor foi banido para sempre"
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Aquilo que aprecio em Mirabai, e que se enquadra nas impressões deixadas pela leitura dos cinquenta poemas do amor furtivo (atribuídos a Bilhana), é este emparelhamento entre amor sexual e amor espiritual. Corpo e mente que se tornam um só, sacralização do ser e da entrega — sem culpa, sem vergonha, sem barreiras... mas uma união, e um desejo, que é unidireccional, focado num só objecto (homem, mulher, divindade). E adoro, adoro esta ideia de amor absoluto e devoto:
"O amor tingiu a minha pele da cor daquele que levanta montanhas Mesmo disfarçada reconheceu-me Ao contemplar a sua beleza entreguei-me Amigas deixem aquelas cujo amor está ausente escrever cartas Mira entregou-se ao seu Amado Dia e noite é só por Ele que espera"
Lindíssimos e muito musicais, estes hinos indianos do início do século XVI. Embora tenham carácter religioso, leem-se como belos poemas de amor. Adorei.
O meu amor por ti penetrou bem fundo Depois de escutar a tua flauta esqueci o meu lar O peixe contorce-se na margem até morrer sem que a água conheça a sua dor A lâmpada ignora a dor das borboletas que a chama reduz a cinzas Mira diz Sem ti poderei dizer que vivo?
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Não sei amigas o que irá acontecer entre o meu Amado e eu Veio até mim mas foi-se embora enquanto dormia Vou rasgar em duas as minhas vestes comprar um sari amarelo deitar os braceletes fora deixar o cabelo cair-me sobre os ombros O desejo assola-me noite e dia Mira diz Uma vez juntos os amantes não se devem separar
“Enquanto o mundo dorme eu permaneço acordada Num glorioso palácio de prazer sento-me vigilante e vejo uma rapariga abandonada com uma grinalda de lágrimas que passa a noite a contar as estrelas a contar as horas que a separam da felicidade Se eu soubesse que o amor e o desespero andam sempre de mãos dadas teria pegado num tambor e iria proclamar pela cidade que o amor foi banido para sempre”