Escritor da paixão, como foi chamado por Lygia Fagundes Telles, o gaúcho Caio Fernando Abreu reúne neste livro treze contos girando todos em torno do mesmo tema — o amor. Amor e sexo, amor e morte, amor e abandono, amor e alegria, amor e memória, amor e medo, amor e loucura são alguns de seus desdobramentos nestas histórias que formam uma espécie de retrato interior — tirado à beira do abismo — do Brasil de hoje.
Caio Fernando Loureiro de Abreu nasceu no dia 12 de setembro de 1948, em Santiago, no Rio Grande do Sul. Jovem ainda mudou-se para Porto Alegre onde publicou seus primeiros contos. Cursou Letras na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, depois Artes Dramáticas, mas abandonou ambos para dedicar-se ao trabalho jornalístico no Centro e Sul do país, em revistas como Pop, Nova, Veja e Manchete, foi editor de Leia Livros e colaborou nos jornais Correio do Povo, Zero Hora, O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo.
No ano de 1968 — em plena ditadura militar — foi perseguido pelo DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), tendo se refugiado no sítio da escritora e amiga Hilda Hilst, na periferia de Campinas, São Paulo.
Considerado um dos principais contistas do Brasil, sua ficção se desenvolveu acima dos convencionalismos de qualquer ordem, evidenciando uma temática própria, juntamente com uma linguagem fora dos padrões normais.
Em 1973, querendo deixar tudo para trás, viajou para a Europa. Primeiro andou pela Espanha, transferiu-se para Estocolmo, depois Amsterdã, Londres — onde escreveu Ovelhas Negras — e Paris. Retornou a Porto Alegre em fins de 1974, sem parecer caber mais na rotina do Brasil dos militares: tinha os cabelos pintados de vermelho, usava brincos imensos nas duas orelhas e se vestia com batas de veludo cobertas de pequenos espelhos. Assim andava calmamente pela Rua da Praia, centro nervoso da capital gaúcha.
Em 1983 transferiu-se para o Rio de Janeiro e em 1985 passou a residir novamente em São Paulo. Volta à França em 1994, a convite da Casa dos Escritores Estrangeiros. Lá escreveu Bien Loin de Marienbad.
Ao saber-se portador do vírus da AIDS, em setembro de 1994, Caio Fernando Abreu retorna a Porto Alegre, onde volta a viver com seus pais. Põe-se a cuidar de roseiras, encontrando um sentido mais delicado para a vida. Foi internado no Hospital Menino Deus, onde posteriormente veio à falecer.
Non avrei mai detto che sarei diventata un lettrice di racconti.
Raccolta particolare, pubblicata per la prima volta in Brasile nel 1988, di uno scrittore a me completamente sconosciuto. I racconti potrebbero essere stati scritti ieri per quanto sono attuali.
Splendido l'ultimo racconto che dà il titolo alla raccolta.
a essere una persona meno banale, a essere più forte, più sicuro, più sereno, più felice, a navigare con il minimo di sofferenza possibile. Tutte quelle cose che ci proponiamo di fare o di diventare quando finisce qualcosa che reputavamo grande, e non vi è niente da fare se non il semplice continuare a vivere. E allora, che sia soave. Me lo ripeto ogni mattina, aprendo la finestra per lasciare entrare il sole o la cenere di ogni giorno, così, appunto: che sia soave.
Another review of a Caio Fernando Abreu's book. A writer who always tells us everything he's feeling, even if it's craziness, sorrow or hurtful. Caio writes by sticking his finger down his throat, throwing up everything which is inside him making him sick. His art is what he leaves to the reader. However, the key moment, when it all starts to come into place is that finger down his throat.
"Just as Billy Holiday, I'm alone in the desolate dark."
In this book, Caio presents us 13 short stories. It's left to the reader to read it as 13 sequential or independent narratives. All the stories have one theme in common: love. Love and passion, love and death. Love and happiness, love and sorrow. Love and solitude; love alone. Many facets of this overwhelming feeling put into this pages blemished with tobacco, wine, and some dark stains, probably blood.
"One day it would be forever, and I only have this center maybe dark of me in which I hang myself."
This book may seem depressive, but there are so much more than that. Most of the characters still carry on, guided by an unexplainable hope. Among the desolation of the swamp, there's a flower growing up: the expectation that things will be better; the hope that everything will start to make sense and a real love will start or remain. That's exactly why Caio is so incredible. He manures his fields of solitudes with his pain however, he never turns that soil into something dead; there's always a place for hope to grow.
"It's not for you, for others like you. It's for him that I keep myself. Laugh at me, but I'm here still, drunk, pathetic and ridiculous, only because among all this trash I'm looking for The One. Beware, someday I will find him."
I loved this book - a wonderful collection of, sort-of interlinked stories (they can be read sequentially or randomly), rich in life, love, lust - I was so happy I discovered its existence when reading an anthology of international gay writing (though please do not let any idea that he is a writer in anyway limited or defined by any 'tags') and although disappointed to discover only one other of his works available in English was delighted that another is to be published in 2022, Moldy Strawberries. (since writing this review I discovered there was another of his works translated into English 'Whatever Happened to Dulcie Viega' - I would also point out that if you search for these works under their English language titles you may have problems finding them on Goodreads. It is just another of Goodreads vast incomprehensible variety that some translated works get individually listings while others have to be ferreted out. I wish had the time to do nothing but correct mistakes on Goodreads or to be more accurate to get Goodreads to acknowledge their mistakes and inconsistencies).
From the reviews posted he is clearly not attracting new English language readers - I do hope that changes - he is wonderful with all the joy and power of a rich approach different to what you recieve from English language authors.
I am so ashamed I can not read him in the original.
"Por situações como essa, eu o amava. E o amo ainda, quem sabe mesmo agora, quem sabe mesmo sem saber direito o significado exato dessa palavra seca - amor."
Obrigada, Caio. Eu amo todos os 13 contos do livro, é indescritível a sensação que cada um passa. Medo, rejeição, confusão, saudade, saudade, tristeza, loucura, vida, identificação, amor, medo, descoberta, eu. Não sei. É sentir, e isso basta.
Faz uns 9 anos desde que li esse livro pela primeira vez -9 ou 10. E é incrível ver que conforme eu envelheço, melhor ele fica. Mais significativo, mais claro, mais limpo. Mais profundo e verdadeiro. Caio requer maturidade que não tinha com 16, 17 anos. E que tenho só agora. E agora, relendo e me aprofundando ainda mais nesses contos, todos crescem ainda mais em sentido e qualidade. Desde "Linda, uma história horrível", "o rapaz mais triste do mundo" e "o destino desfolhou", até "a outra voz", "dama da noite" e principalmente "pequeno monstro", tudo fica melhor e melhor e melhor e melhor a cada leitura. Eternamente meu livro favorito.
Os Dragões não Conhecem o Paraíso – Caio Fernando de Abreu | Cia. das Letras, 1988, 160 pgs. | NITROLEITURAS | Lido de 27.10.16 a 28.10.16
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SINOPSE
Escritor da paixão, como foi chamado por Lygia Fagundes Telles, o gaúcho Caio Fernando Abreu reúne neste livro treze contos girando todos em torno do mesmo tema — o amor. Amor e sexo, amor e morte, amor e abandono, amor e alegria, amor e memória, amor e medo, amor e loucura são alguns de seus desdobramentos nestas histórias que formam uma espécie de retrato interior — tirado à beira do abismo — do Brasil de hoje.
RESENHA
Mais um livro de contos fantásticos e fortes do Caio Fernando Abreu. Nesses contos, o escritor sai um pouco (só um pouquinho) do seu universo pessoal e cria personagens ficcionais envolvidos em narrativas de desespero existencial, busca de amor, busca de qualquer coisa, descobertas e crescimento pessoal.
Pelos contos se vê uma critica feroz ao modo como a sociedade contemporânea e urbana, com seus produtos, suas modas, seu consumismo, desvaloriza e destrói as relações humanas, subulgando a sensibilidade e a memória.
Em um dos contos que me tocou muito, um dos personagens se dirige a um jovem da geração 80 ( a minha) e o faz ver sua apatia, seu medo de tudo, como parte da herança maldita que herdara dos anos 70.
E como isso é verdadeiro, me lembro de toda a paranóia da minha adolescência, a iminência da guerra nuclear com os EUA na época do toscão do Reagan, a AIDS travando nos aterrorizando, ao mesmo tempo que uma explosão de sexualidade, pornografia, erotismo na cultura (Maddona, videocassetes eróticos, etc.) nos deixava absolutamente perdidos nos anos 80.
É interessante ver essa análise feita tão perto da época, com o narrador comentando sobre a roupa preta dos Darks e da cultura gótica dos anos 80 (e que uso até hoje hahahaha) contrastava com o colorido dos hippies da sua geração do final dos anos 60. Ele até fala “nós quase conseguimos”, ao assumir o fracasso do “sonho”.
Outros temas caros a Caio aparecem nesses contos, como a jornada de amadurecimento de um adolescente homossexual, o estado de permanente auto-aniquilamento de um casal urbano de classe média quase chegando na meia-idade, entre vários outros.
A prosa nem precisa falar, é o Caio que está escrevendo, ou seja, frases lapidadas até a essência diamantina, diretas ao ponto, e capazes de descrever emoções complexas, e que me faz morrer de inveja de escritor (é quando a gente vê um escritor fazendo facilmente algo que para nós é praticamente impossível ou difícil para caramba!).
Recomendadíssimo!
RECOMENDADO PARA QUEM CURTE:
Contos urbanos cheios de paixão, dor e alguns de partir o coração.
Uma colecção soberba de 13 contos, todos explorando a temática do amor, e em que o último, que dá título ao volume, funciona como uma espécie de guia de leitura de todos os outros, dando unidade ao conjunto. São contos fabulosos, do melhor que se tem escrito em língua portuguesa, e este livro, um dos melhores de Caio F, merecia estar editado em Portugal.
“Quero mais um uísque, outra carreira. Tudo aos poucos vira dia e a vida - ah, a vida - pode ser medo e mel quando você se entrega e vê, mesmo de longe. Não, não quero nem preciso nada se você me tocar. Estendo a mão. Depois suspiro, gelado. E te abandono.”
Neste livro de contos românticos, Caio F. vai além novamente e discorre sobre o amor em 13 histórias. Minha crítica é - perfeito. Impressionante como autor consegue elevar seus contos através de uma encenação vívida, um ritmo sensacional e além disso, manter sempre uma conversa ávida com o leitor, levando-a sentir. Sentir.
parece ser um livro bastante pessoal pro caio fernando, onde vemos ele perpassar seus amores pelo cinema, pelas pessoas, pelo sexo - e no meio dessas coisas há a solidão, a morte.. no entanto não funcionou pra mim. todos os textos desta coletânea têm um quê de sóbrio, uma obviedade cansada, parece faltar algo que te fisgue de fato pra dentro da leitura. de longe meu livro menos favorito dele, até então.
a morte anunciada é a da simulação. seu método é o derramamento. páginas a fio, o leitor é arrastado, sem nenhuma delicadeza, pelos bastidores da vida comum. o avesso é desagradável porque aponta para o vazio.
A escrita de Caio Fernando Abreu é intensa e sensível, cheia de metáforas e lirismo, o que torna os contos desse livro uma reflexão profunda sobre a impossibilidade de certos amores e sobre a dureza da realidade para aqueles que sonham demais.
esse e laços de família foram as melhores leituras do ano por enquanto. e, pra mim, o fim da minha jornada lendo todos os contos do caio... uma jornada maravilhosa, que quero retomar sempre! um escritor que fala da gente, com a gente, sem pudor nenhum, escondendo tudo sem esconder nada. te amo, caio, uma alma gêmea que nunca conheci.
Tem Contos que mexem tanto com a gente. Que bagunçam. Que acolhem. Que explicam. Que inquietam. Que doem, latentes, insistentes, falam de lonjuras e impossíveis. Que fazem a gente ficar uns três dias debruçada sobre as mesmas páginas, fazendo umas micro-análises-muito-da-besta-e-particular. Autores que são amigos, que são humanos, que são caos, que são as duas mãos que te seguram firme em universos suspensos. E Caio, Para Sempre Meu, tem um jeito tão bonito de falar sobre a saudade, a frustração, a semiótica do que nunca foi e é, a solidão, a vontade de desistir, a coragem de resistir e a impossibilidade das coisas, que não resisto; é por isso que meu Doutorado é dele, assim, à beira de um mar qualquer, imenso e aberto.
I was really thrilled when I recently discovered this English translation of Caio Fernando Abreu’s Dragons. I had thought that Moldy Strawberries: Stories and the novel Whatever Happened to Dulce Veiga? were the only works by Abreu that had been translated into English. Actually, Dragons was the first work by Abreu to be translated into English. It was published in Great Britain in 1990.
Dragons includes thirteen stories, some with gay themes, some with straight themes. Bisexuality is quite prominent in these stories. Although most of the stories are conventionally written short stories (if you can say that of Abreu), one story, “On the Shore of the Open Sea,” consists of one long five-page sentence, which is broken up here and there by semicolons and is not at all hard to read or follow. As always, Abreu’s writing is mesmerizing. His luscious and insightful prose is unforgettable.
One motif appears frequently in Abreu’s stories: Protagonists will look at themselves in a mirror and take stock, so to speak. For example, “looking at myself in the mirror before I went to bed” (“Little Monster”). Or “He lingered a bit longer in front of the mirror” (“Honey and Sunflowers (to the music of Nara Leão)”). One more: “She turned off the bedroom light and looked at herself in the full-length hall mirror” (“The Little Red Shoes”). Characters look in the mirror and then Abreu explores what is going on in their interior lives.
Abreu makes many references to musical artists and movie stars. His characters often put records on a record player. The music they play provides a background that reflects what is going on in the story. And, of course, the physical and psychological landscape of Brazil, particularly Sao Paolo, is a major character in Abreu’s stories.
Rather than try to summarize each story in Dragons, I would like to quote a memorable line from each story, out of context, of course, in order to give a hint of the flavor of Abreu’s writing and to whet prospective readers’ appetites to read the stories.
“Beauty”: “Country sinks into chaos, disease and poverty.”
“The Leaves of Fate Have Fallen”: “It was always summer when something happened.”
“On the Shore of the Open Sea”: “as you talk and ensnare me and envelope me and fascinate me with your strange accent and your low assonant voice”
“Blues without Ana”: “From all the days that followed my mouth remembers just three tastes: vodka, tears and coffee.”
“Missing Audrey Hepburn”: “But only much later, like a strange premonitory flash-back, in the middle of a night of mysterious possession, as he looked in vain for a piece by Charlie Parker, wandering around the house crammed with good luck charms that didn’t work, would he piece back together step by step that Saint John’s Eve when he had been allowed to have him, totally, between a sad blues and an avant-garde poem.”
“The Saddest Boy in the World”: “They watch each other with a certain aloofness, precision, method, order, discipline.”
“The Little Red Shoes”: “She who avoided bright colours, heels, makeup, low necklines, gold or any other detail that might be that little bit suggestive of her secret identity as a single-and-independent-woman-with-a-married-lover.”
“A Little White Sandy Beach, down by the Gully”: “My only luxury has been the Dulce Veiga records I scour the shops for.”
“Queen of the Night”: “I’ve noticed that men with cleft chins really like getting it up the arse.”
“Honey and Sunflowers (to the music of Nara Leão)”: “Then she threw her hair to one side in a quick feminine gesture, so feminine that it’s a favourite of transvestites.”
“The Other Voice”: “He wanted to alert him to the necessity of resisting together on that fragile bridge.”
“Littke Monster”: “Lying there, watching Cousin Alex asleep stark naked beneath that huge moon, the heady smell of the jasmines coming in through the open window, made me feel something, I couldn’t really tell whether it was dizziness, sleepiness, disgust or maybe that hatred ever so slowly changing into something else, quite what I didn’t yet know.”
“Dragons”: “Dragons don’t forgive ugliness.”
Oh, how I wish more works by Caio Fernando Abreu were translated into English!
I didn't think I would be proven wrong so fast on my problem with short stories! I always said that short stories felt like they'd be better off as a full fleshed out story and that I'd be somewhat disappointed by the end of them by the wasted potential but reading these ones, I felt like it was perfect and that the author perfectly exploited the medium to its fullest, this author is incredible.
"Les enfers de Caio (Caio's Hell)", the post read note by the translator best describes the nature of his short stories but not completely, it misses his last touch of how he ends stories, the feeling of hope that we end off. We're taken to the dark depths of humanity and emotion but after having traversed this hellish landscape, we're left with this feeling of finally being able to glimpse the light. "Après la pluie, le beau temps" best encapsulates his writing, except that you replace the rain with like boulders of ice.
I enjoyed this perspective on life and how it's illustrated. A lot of stories depict character development happening through a single event that comes to shake up a character's philosophy. The characters here at the end move on anyways and integrate what happens to them as a sort of blossoming seed that will grow in the future years. We have the impression that their lives will continue, but ever so slightly deviated from their original path which will in the end have massive consequences i imagine at least.
I had that same feeling after, finishing this book. Yk that feeling when you put down a book and just want to share it with everything and feel like something's changed but the world outside of your head is just the same. Idk I had that reading this book.
There's a lot I didn't understand in this book but I loved its unique stories. The experiences that Caio chooses to depict are so painful and heartbreaking. That implicit love between mother and son when they're just slightly bickering and catching up with each other but can't bear to state their love for each other out loud and the simultaneous searching for approval for the same mother despite being far from a child. The idealization of a sudden new adult figure that respects you, the feeling of isolation of being a little monster and hating everything while growing up amd no one understanding you seemingly... it goes onnnnn. This is THE short stories that I'll recommend, I finally have smth im confident in for this genre.
I loved the last short story the most, the one in the title. I will reread it more in depth in the future when I've got more time. The all encompassing feeling of a depression and the parallel with the increasingly dirty room and the dragon that comes here and there, the chasing of it, wow i'm just saying nonsense but idk i loved that story. And the first one. Incredible french read, french not too difficult. No exaggeration for the human condition. No dramatization. Observation. Description. Yeah.
"Tinha começado a mentir tão intensamente, que talvez falasse a verdade"
A ousadia dessa coletânea de 13 contos está em acenar a melancolia como se fosse uma bandeira a vento solto, fincada no cume mais alto de uma montanha longínqua.
A genialidade está em mostrar que, de fato, essa montanha não está tão longe assim. Está nos bares, nas ruas, no trabalho. Em cada aspecto da nossa vida. O mundo moderno é melancólico, Caio Fernando Abreu apenas mostra o quão bonito isso tudo é.
Tendo em vista esse olhar para as aflições, me perguntei a todo tempo o que ele - falecido em 1996 - acharia das redes sociais enquanto lia ele lendo as pessoas com a mesma facilidade com que eu engolia as suas palavras. Suspeito que ele acharia tudo isso ainda mais triste.
Triste porque as dores que doem mais profundamente são aquelas as quais a gente não se permite sentir. Não fui eu quem disse isso, foi ele. Os dragões não conhecem o paraíso, como dizem por aí, é sobre isso. A melancolia de ser exatamente quem você é. Consigo mesmo e com os outros.
Sim, os outros. O inferno são os outros. A sociedade como amigos, irmãos, namorados e namoradas. É como se, para Caio Fernando Abreu, os sete pecados capitais se resumissem a uma relação entre duas pessoas: Orgulho de ter amado. Gula por atenção. Inveja de quem ama sem medo. Avareza de se apaixonar. Ira por ter amado e perdido. Soberba por ser alguém a quem ainda procuram. Preguiça de lidar com as pessoas. Luxúria para estar com alguém.
Tudo isso se resumindo à barbaridade de, assim como os dragões do título, não conhecer o paraíso.
Caio Fernando Abreu é o autor do amor, mas não desses dois tão em voga: o romântico impossivelmente doce da literatura jovem ou o desbalanceadamente sexual dos romances eróticos atuais. Seu amor é uma mistura dos dois em que vários aspectos são contemplados, principalmente em suas facetas homossexual e bissexual.
Publicado primeiramente em 1988, o livro foi bem recebido pela crítica especializada e basicamente ignorado pelo resto da sociedade. O que foi bom, ou hoje seria ainda mais difícil achar edições em sebos e nas quase extintas livrarias.
Contudo, não se deve tomar a obra de Abreu como uma levantadora de bandeira. Não era essa sua ideia. Seus dezesseis textos, carregados em experiência própria, falam mais sobre as dificuldades de aceitação e a solidão.
Também há o distinto Rio da década de oitenta... é algo que pode se identificar não apenas nos nomes citados, mas no estilo de vida retratado, nas companhias mencionadas.
É um ótimo trabalho que deveria figurar na lista de livros LGBT, normalmente dominadas por obras internacionais.
"Os dragões não permanecem. Os dragões são apenas a anunciação de si próprios. Eles se ensaiam eternamente, jamais estreiam. As cortinas não chegam a se abrir para que entrem em cena. Eles se esboçam e se esfumam no ar, não se definem. O aplauso seria insuportável para eles: a confirmação de que sua inadequação é compreendida e aceita e admirada, e portanto - pelo avesso, igual ao direito - incompreendida, rejeitada, desprezada. Os dragões não querem ser aceitos. Eles fogem do paraíso, esse paraíso que nós, as pessoas banais, inventamos - como eu inventava artifícios para esperá-lo e prendê-lo para sempre junto a mim. Os dragões não conhecem o paraíso, onde tudo acontece perfeito e nada dói nem cintila ou ofega, numa eterna monotonia de pacífica falsidade. Seu paraíso é o conflito, nunca a harmonia."
reler caio depois de tanto tempo e me reencontrar nas angústias. tão distante e tão próximo. parte integral do que sou, da forma como descobri o sentimento do mundo.
(faz muito tempo que não leio alguns livros de caio - esse era um dos que não lia há pelo menos 10 anos - mas por muito tempo foi esse meu livro favorito dele, arrisco dizer que segue sendo [mesmo que ainda não tenha relido outros]. dragões tem sobre mim um magnetismo imenso pelas 13 diferentes formas de amor que retrata, pelo cinismo e entrega colocados lado a lado, pelo que mostra de aproximações e distâncias que temos com o Outro. pelos tópicos universais entremeados com as questões da época em que foi escrito [consigo visualizar o livro inteiro com a estética dos anos 80 - os cinzeiros nas mesas dos bares]. enfim, é o livro que, numa cidadezinha do interior, para um garoto de 16 anos, serviu de livro de ensinamentos sobre a vida, a amor e tudo mais.)
No início do livro, o autor introduz dizendo que esse é um livro sobre amor. Amor de todos os jeitos, intensidades, cores, tempos, etc. Eu ouso dizer que esse é um livro sobre a solidão. O amor sim, mas sempre, mesmo que profundamente escondida, uma solidão imensa. Uma vontade de encontrar-se nos becos da cidade, nos bares, nas aventuras sexuais diversas. É sobre o vazio que fica depois que algo ou alguém nos abandona ou por nós é abandonado. Trata do mal-estar, de nunca pertencer, nunca se sentir em casa, vagar sempre na vida se perguntando: pra onde? É dessa solidão íntima e persistente que o livro trata.
Então, que seja doce. Repito todas as manhãs, ao abrir as janelas para deixar entrar o sol ou o cinza dos dias, bem assim, que seja doce. Quando há sol, e esse sol bate na minha cara amassada do sono ou da insônia, contemplando as partículas de poeira soltas no ar, feito um pequeno universo; repito sete vezes para dar sorte: que seja doce que seja doce que seja doce e assim por diante. Mas, se alguém me perguntasse o que deverá ser doce, talvez não saiba responder. Tudo é tão vago como se fosse nada.
Caio é poesia pura, brabo demais. O cara escreve com a alma.
Como ele mesmo disse certa vez, em uma carta a um amigo:
"Ou escreva então para destruir o texto, mas alimente-se. Fartamente. Depois vomite. Pra mim, e isso pode ser muito pessoal, escrever é enfiar um dedo na garganta. Depois, claro, você peneira essa gosma, amolda-a, transforma. Pode sair até uma flor. Mas o momento decisivo é o dedo na garganta."