Este tópico serve para apresentar (com periodicidade incerta) excertos do primeiro livro (que está a ser escrito) da trilogia que contará a história completa de Z, o personagem apresentado no conto:
Os excertos são retirados do primeiro rascunho e, como não representam necessariamente a versão final do texto, estão abertos a debate para críticas, opiniões e sugestões de quem tiver interesse em fazer qualquer uma dessas análises. Os excertos são aqui apresentados por ordem aleatória, que não tem de coincidir com o seguimento natural da história, e tentarei evitar spoilers irremediáveis (claro :D).
Neste excerto, apresento Marcus, um dos principais antagonistas de Z no primeiro livro da trilogia.
Excerto:
"Marcus cruzou olhares com o homem. Ouviu e aceitou as ordens, mas nem todas as ordens eram claras. — Preciso de um esclarecimento, senhor — disse ele. O homem arqueou uma sobrancelha, sem grande disposição para esclarecer ordens que considerava perfeitamente claras. Voltou-se para a parede de vidro e ficou num silêncio pensativo, dividido entre a observação dos riscos luminosos dos veículos que riscavam as ruas lá em baixo e dos que deixavam trilhos incandescentes no céu, centenas de metros acima do limite dos edifícios. — O meu tempo é escasso, major — disse ele. — É um esclarecimento imprescindível, senhor. — Fale. — Como deverei interpretar a indicação de que o alvo não pode ser capturado vivo? O homem voltou-se para o major e sentou-se no cadeirão por trás da secretária. — Onde está a necessidade de esclarecimento, major? — Seria preferível que me fosse transmitida uma ordem com sentido directo e inequívoco, senhor. Estaria mais ciente da amplitude das minhas ordens se me fossem explicadas as razões pelas quais não querem que o alvo seja capturado vivo. O homem esticou um sorriso de quem sabia mais segredos do que aqueles que pretendia revelar. — Major, não é uma questão de quereres. E a razão é apenas uma: o alvo não pode ser capturado vivo, porque se trata de uma impossibilidade funcional. — Senhor…? — Impossível, major. Irrealizável. Impraticável. Inexequível. Inexecutável. Escolha o adjectivo da sua preferência. Directa e objectivamente, não pode ser feito. — Acredita mesmo nisso, senhor? — Major, é importante que entenda uma coisa; extremamente importante. Marcus esperou uns instantes pelo esclarecimento. O homem manteve um silêncio paciente de quem aguardava a pergunta óbvia. Era em situações semelhantes que Marcus se lembrava sempre das razões pelas quais detestava lidar directamente com os homens da Companhia. — O quê, senhor? O homem esboçou um sorriso discreto mas visivelmente satisfeito. Assentou a mão aberta sobre um rectângulo de vidro na superfície da secretária, através do qual se via a capa de um livro antigo preservado em vácuo. — A Arte da Guerra — disse ele. — O major está familiarizado com os ensinamentos de Sun Tzu? Marcus ruminou a vontade de dizer ao homem para se deixar de rodeios inúteis. Tipos como aquele gostavam sempre de se pôr com pretensões teatrais sem real interesse ou finalidade, que serviam apenas para lhes alimentar o ego com a ilusão de algum valor argumentativo ou filosófico. — É leitura obrigatória na academia militar — disse Marcus. O homem tocou duas vezes com o indicador na superfície transparente e deu as mãos sobre a mesa. — O segredo, a dissimulação e a surpresa — disse ele. — Qualidades de um estratega irrepreensível. Numa comparação grosseira com a capacidade de antecipação do maior estratega que já existiu, este alvo consegue calcular a trajectória da bala antes de o projéctil ser sequer fabricado. Eu poderia dizer-lhe que é algo como o major nunca encontrou, mas não seria uma afirmação adequada. Em verdade, é como tudo o que o major já encontrou, mas com uma grandeza de escala cósmica. De todas as vezes em que conseguimos chegar perto do alvo, foi apenas porque ele permitiu. De todas as vezes, major. Sem qualquer excepção. — Estou a ver. — Espero honestamente que sim. Marcus engoliu a insinuação que duvidava da sua capacidade de entendimento. — E o Professor? — disse ele. — O que tem? — Onde é que ele se encaixa em tudo isto? O homem afastou as mãos e apoiou-as nos braços do cadeirão. — O Professor é uma peça difícil de encaixar onde quer que seja — disse ele. — Costumamos encaixá-lo onde é necessário. — Entendo, senhor. Mas a minha pergunta mantém-se sem resposta. O homem levantou-se e voltou a encarar as luzes agitadas da cidade através da parede de vidro. — Enigmas — disse ele. — Por mais completas que se apresentem, há respostas que, em virtude da natureza imprecisa daquilo que esclarecem, permanecem sempre vagas. O Professor é, se empregarmos uma simbologia adequada às circunstâncias, o pai do alvo. Marcus aceitou mais uma resposta com falta de objectividade, como se estivesse perfeitamente esclarecido. Se quisesse respostas concretas teria de ser ele mesmo a investigar o Professor. — Entendo — disse Marcus. — É por essa razão que ele pretende capturá-lo vivo? — Não — disse o homem, com uma secura de ponto final. — Posso saber a razão? — Não — disse o homem, numa repetição perfeita da resposta anterior. Marcus focou algum ponto na nuca do homem. Das sete vértebras cervicais, três eram visíveis acima do colarinho. Calculou a força necessária para atingir a C3 com um golpe de mão, de modo a usar o osso como lâmina para seccionar os nervos da medula espinal. A satisfação de transformar o tipo num boneco de trapos, do pescoço para baixo, não justificaria as consequências. — O senhor sabe a razão? — disse ele. O homem voltou-se e encarou o major, com pouca paciência para jogos mentais que não fossem criados por ele e nenhum apreço para desafios da cadeia de comando. — Tem as suas ordens, major — disse ele. — Espero cumprimento exemplar."
Os excertos são retirados do primeiro rascunho e, como não representam necessariamente a versão final do texto, estão abertos a debate para críticas, opiniões e sugestões de quem tiver interesse em fazer qualquer uma dessas análises. Os excertos são aqui apresentados por ordem aleatória, que não tem de coincidir com o seguimento natural da história, e tentarei evitar spoilers irremediáveis (claro :D).
Neste excerto, apresento Marcus, um dos principais antagonistas de Z no primeiro livro da trilogia.
Excerto:
"Marcus cruzou olhares com o homem. Ouviu e aceitou as ordens, mas nem todas as ordens eram claras.
— Preciso de um esclarecimento, senhor — disse ele.
O homem arqueou uma sobrancelha, sem grande disposição para esclarecer ordens que considerava perfeitamente claras. Voltou-se para a parede de vidro e ficou num silêncio pensativo, dividido entre a observação dos riscos luminosos dos veículos que riscavam as ruas lá em baixo e dos que deixavam trilhos incandescentes no céu, centenas de metros acima do limite dos edifícios.
— O meu tempo é escasso, major — disse ele.
— É um esclarecimento imprescindível, senhor.
— Fale.
— Como deverei interpretar a indicação de que o alvo não pode ser capturado vivo?
O homem voltou-se para o major e sentou-se no cadeirão por trás da secretária.
— Onde está a necessidade de esclarecimento, major?
— Seria preferível que me fosse transmitida uma ordem com sentido directo e inequívoco, senhor. Estaria mais ciente da amplitude das minhas ordens se me fossem explicadas as razões pelas quais não querem que o alvo seja capturado vivo.
O homem esticou um sorriso de quem sabia mais segredos do que aqueles que pretendia revelar.
— Major, não é uma questão de quereres. E a razão é apenas uma: o alvo não pode ser capturado vivo, porque se trata de uma impossibilidade funcional.
— Senhor…?
— Impossível, major. Irrealizável. Impraticável. Inexequível. Inexecutável. Escolha o adjectivo da sua preferência. Directa e objectivamente, não pode ser feito.
— Acredita mesmo nisso, senhor?
— Major, é importante que entenda uma coisa; extremamente importante.
Marcus esperou uns instantes pelo esclarecimento. O homem manteve um silêncio paciente de quem aguardava a pergunta óbvia. Era em situações semelhantes que Marcus se lembrava sempre das razões pelas quais detestava lidar directamente com os homens da Companhia.
— O quê, senhor?
O homem esboçou um sorriso discreto mas visivelmente satisfeito. Assentou a mão aberta sobre um rectângulo de vidro na superfície da secretária, através do qual se via a capa de um livro antigo preservado em vácuo.
— A Arte da Guerra — disse ele. — O major está familiarizado com os ensinamentos de Sun Tzu?
Marcus ruminou a vontade de dizer ao homem para se deixar de rodeios inúteis. Tipos como aquele gostavam sempre de se pôr com pretensões teatrais sem real interesse ou finalidade, que serviam apenas para lhes alimentar o ego com a ilusão de algum valor argumentativo ou filosófico.
— É leitura obrigatória na academia militar — disse Marcus.
O homem tocou duas vezes com o indicador na superfície transparente e deu as mãos sobre a mesa.
— O segredo, a dissimulação e a surpresa — disse ele. — Qualidades de um estratega irrepreensível. Numa comparação grosseira com a capacidade de antecipação do maior estratega que já existiu, este alvo consegue calcular a trajectória da bala antes de o projéctil ser sequer fabricado. Eu poderia dizer-lhe que é algo como o major nunca encontrou, mas não seria uma afirmação adequada. Em verdade, é como tudo o que o major já encontrou, mas com uma grandeza de escala cósmica. De todas as vezes em que conseguimos chegar perto do alvo, foi apenas porque ele permitiu. De todas as vezes, major. Sem qualquer excepção.
— Estou a ver.
— Espero honestamente que sim.
Marcus engoliu a insinuação que duvidava da sua capacidade de entendimento.
— E o Professor? — disse ele.
— O que tem?
— Onde é que ele se encaixa em tudo isto?
O homem afastou as mãos e apoiou-as nos braços do cadeirão.
— O Professor é uma peça difícil de encaixar onde quer que seja — disse ele. — Costumamos encaixá-lo onde é necessário.
— Entendo, senhor. Mas a minha pergunta mantém-se sem resposta.
O homem levantou-se e voltou a encarar as luzes agitadas da cidade através da parede de vidro.
— Enigmas — disse ele. — Por mais completas que se apresentem, há respostas que, em virtude da natureza imprecisa daquilo que esclarecem, permanecem sempre vagas. O Professor é, se empregarmos uma simbologia adequada às circunstâncias, o pai do alvo.
Marcus aceitou mais uma resposta com falta de objectividade, como se estivesse perfeitamente esclarecido. Se quisesse respostas concretas teria de ser ele mesmo a investigar o Professor.
— Entendo — disse Marcus. — É por essa razão que ele pretende capturá-lo vivo?
— Não — disse o homem, com uma secura de ponto final.
— Posso saber a razão?
— Não — disse o homem, numa repetição perfeita da resposta anterior.
Marcus focou algum ponto na nuca do homem. Das sete vértebras cervicais, três eram visíveis acima do colarinho. Calculou a força necessária para atingir a C3 com um golpe de mão, de modo a usar o osso como lâmina para seccionar os nervos da medula espinal. A satisfação de transformar o tipo num boneco de trapos, do pescoço para baixo, não justificaria as consequências.
— O senhor sabe a razão? — disse ele.
O homem voltou-se e encarou o major, com pouca paciência para jogos mentais que não fossem criados por ele e nenhum apreço para desafios da cadeia de comando.
— Tem as suas ordens, major — disse ele. — Espero cumprimento exemplar."