S. Ganeff's Blog
July 25, 2022
O REI SEM COROA
Andava como se o manto pendurado em seus ombros tocando o chão com gentileza levando a poeira presa no tecido vermelho. Limpando seus próximos passos.
Seu peito estufado deixava claro que, apesar do tecido parecer ser pesado, ele carregava com leveza e não deixava por um minuto sequer seus ombros entregassem o cansaço que sentiam por carregar o mundo nas costas.
Colocava a mão no cinto da calça como se tivesse pronto para apanhar uma espada a sua direita. Ameaçava pegá-la com olhos ferozes caso alguém o desafiasse, apesar de saber que ninguém seria louco o suficiente para isso.
Olhava para quem passasse pela porta com o nariz empinado, tomava cuidado para não deixar a coroa deslizar para fora da sua cabeça, ele ouvia por aí que muitos queriam roubá-la.
Tudo que tocava era com desprezo, fazia acreditar que suas mãos já estiveram diversas vezes mergulhas em bacias de ouro, e que em seu suor, saía gotas de prata.
Olhava para a cidade como se conhecesse de cor, quem o via acreditava que ele estudara os mapas de seu reino durante anos, sabendo o que acontece a cada esquina decorando exatamente qual rua pegar para voltar ao castelo.
Fazia acreditar que em suas veias corria sangue azul, que seus olhos conheciam verdadeiros diamantes, que suas roupas eram feitas à mão e que seu coração fazia promessas grandiosas para um dia assumir um poder que muitos sonhariam, mas só ele saberia levar com maestria.
Fazia acreditar que para ser rei, só faltava o sangue real.
Mas quem o conhecia de fato sabia que não passava de um atendente da loja de fantasias. Mas por acreditar tão fielmente em seu figurino, ganhou prêmio de “funcionário do mês” três vezes seguidas.
Com todo o meu amor,
como sempre,
S. Ganeff
April 6, 2022
ANUNCIO MEU AMOR À LEILÃO
Anuncio, com todas as palavras, segurando um cartaz grande, entregando panfletos no farol e de megafone na rua que: o meu amor está aberto à leilão.
Por desejo de encontrar algo verdadeiro e não correr o risco de perder alguns pretendentes, não vou colocar minha foto. Deixo disponível apenas o preço inicial junto com algumas palavras bem escolhidas.
O que tenho a oferecer? Piadas ruins, mas espirituosas. Devaneios loucos, mas intrigantes o suficiente para te deixar com uma pulga atrás da orelha. Histórias semifictícias feitas de linhas reais, e boas indicações de leitura.
Ofereço uma companhia divertida que topa qualquer passeio com a capota do carro abaixada engolindo algumas moscas no caminho. Um corpo que suporta comidas baratas e drinks caros.
Flex, eu diria.
O que mais você procura? Lealdade? Nunca assistiria o final daquela série sem a sua companhia, esperaria você cantar todas as músicas do ABBA no chuveiro antes de sair, esgotaria todas as palavras do mundo para escrever sobre você e mais importante: Nunca, NUNCA, guardaria feijão no pote de sorvete.
Quer mais lealdade do que isso? Impossível.
Deseja algumas supressas para dar uma variada? Faço um bolo com uma cara maravilhosa, mas duro feito pedra e uma pipoca com cara de murcha, mas é melhor do que de cinema; confesso que uso a sua escova de dente na minha boca de vez em quando e que aquela blusa branca que você tanto gostava virou minha tentativa falha de TieDie.
Ops.
Quer mais amor? Isso, baby, tenho de sobra. E vivo de ditados: “se faltar, a gente faz mais.”.
Quer mais informações? Me lê que vicia. Vou até deixar um link aqui.
Vai que você acaba deixando o leilão de lado e vive só das minhas palavras.
O preço inicial? Baby, o preço inicial é para poucos. O primeiro lance se inicia à quem estiver disposto a oferecer um amor genuinamente verdadeiro e nada redundante.
Com todo o meu amor,
como sempre,
S. Ganeff
February 12, 2022
EU ADMITO
A verdade? A verdade é que eu admito sim.
Admito que procurei tudo sobre você, vi todas as suas fotos do Instagram e decorei as legendas. Vi todos os seus amigos no Facebook e vi detalhadamente o perfil de cada um deles.
Coloquei seu nome no Google tantas vezes que quando digito a primeira letra, você já aparece como sugestão.
Admito que descobri tudo sobre sua família também. Sei que sua mãe trabalha em uma loja de cosméticos e seu pai é engenheiro.
E sim, admito que já pensei muito nessa informação para iniciar uma conversa.
Admito que sei o nome do seu cachorro, (Bile), a raça, (Golden Retriver), a bolinha favorita, (aquela vermelha de linhas amarelas), e a marca do biscoitinho que ele gosta, (o da embalagem azul que contem cerca de 25 palitinhos brancos).
Culpe as postagens da sua irmã por isso.
Eu admito que todas as vezes que cruzei com você e disse “nossa que coincidência” era mentira. Tinha visto onde você estava e corri para lá me arrumando no caminho e passando aquele perfume que você já tuitou dizendo que é o seu favorito.
Confesso que fico te olhando e você não percebe.
Te olho tanto que decorei a marca do seu sorriso na bochecha, exatamente onde nasce a sua covinha, a sua pinta bem embaixo do queixo e como você morde os lábios deixando uma marquinha branca na parte rosada.
Admito que já brinquei com seu sobrenome. Disse que a gente namorava para a moça do caixa do supermercado na esquina da sua casa, passei uma semana inteira usando azul porque você disse para o seu amigo na fila do almoço que era sua cor favorita e procurei na internet onde você comprou essa pulseira que usa no braço esquerdo.
Me imaginei usando seus moletons, brincando com seus cachos, deitando do seu lado e já passei dias tentando descobrir qual música você sempre canta no chuveiro.
Admito também que hoje, quando você me encontrou na porta do seu prédio, e eu disse que estava lá para ver um amigo, menti. Estava parada tentando decifrar qual era seu andar pela luz que viria do seu quarto.
Admito que essa não foi a primeira vez.
Admito que fico esperando você algum dia me dizer tudo o que você sente e se declarar para mim de joelhos com um único girassol na mão.
Admito que sou uma bagunça.
Admito que sou levada pela loucura.
Mas admito antes de tudo, que foi em nome do amor. Meu cupido entrou de férias e eu tive que tomar as providências por conta própria.
Agora, sua vez de admitir que já sabia de tudo, mas mesmo desconfiando da falta de neurônios e da loucura crônica, gostava de não saber qual seria meu próximo passo.
Com todo o meu amor,
como sempre,
S. Ganeff
February 10, 2022
OH DOCE AVENTURA,POR FAVOR NUNCA VÁ EMBORA
Não faça de mim mais uma alma abandonada, presa às armadilhas do tempo, vítima do acaso. Mais um corpo com as garras feitas na manicure, sem desejo algum, força nenhuma, promessa alguma.
Oh Doce Aventura, me prometa que sempre plantará sementes em mim e regue minha mente de ideais malucas demais para quem não sente a sua presença em forma de arrepios.
Te peço para que faça de mim sua morada. Prometo que o aluguel é de graça se você ficar para sempre. Jogue farinha na cozinha, coloque o tênis no sofá, tire todas as roupas do guarda-roupas, deixa a toalha na cama, esqueça de trancar a porta; faça de mim sua maior bagunça.
Te peço para que viva sem ponto final ou virgula, fique livre pelas linhas sem nada para te parar. Escreva no seu diário, as mais excitantes loucuras, os grandes delírios, tudo de mais apaixonante que você tem reservado para mim.
Quero que escreva linhas infinitas cheias de histórias mirabolante, frios na barriga e palavras para aquecer o coração.
Desejo que a cada linha você roube o ar de quem lê e coloque no lugar, mais uma semente fértil prestes a brotar como erva daninha.
Doce Aventura, por favor deixe, para sempre, meu amor selvagem. Um amor indomesticável mas cultivável. Um amor poderoso que de flores no inverno, folhas verdes na chuva e galhos fortes pronto para serem escaldos, só para aproveitar a vista.
Um amor do jeito que tem que ser.
Oh Doce Aventura, jure por todos os corações acelerado, pelo estômago gelado e pelos pelos arrepiados, que você para sempre vai ficar.
Com todo o meu amor,
como sempre,
S. Ganeff
January 30, 2022
E EU QUE NEM FUMO, TE TRAGO NO PEITO
Nunca vi alguém tão louco por tabaco quanto você, que ama com uma ferocidade cada bituca me faz até sentir ciumes do seu maço de cigarro 100 que você leva para todo lado no bolso.
Queria que, no momento que me colocasse na sua boca e me apertasse com força contra os seus lábios, puxasse de mim toda a toxina, química nuclear, tabaco entre tantas outras coisas boas, para dentro de você sem medo do que pudesse causar, sem se preocupar com a tosse que te perseguiria.
E eu, te dominando por completo por dentro, fosse direto para o seu peito, dando uma passadinha rápida por uma artéria ou outra, mas desaguando no seu pulmão que agora, já está mais que comprometido.
Mesmo assim, mesmo sabendo de todos os males escritos na embalagem, fosse se deixar levar pelo prazer do momento e pela sensação única de satisfação completa.
Fechasse os olhos e com toda a calma do mundo, jogasse para fora da sua boca a leve fumaça branca que se dissipa com o vento para a noite fria de outono deixando como último registro de presença, um sorriso satisfeito nos lábios muito bem apreciado pelas estrelas, que já viram essa mesma cena dezena de vezes antes.
E sem pensar muito, aproximasse a mão mais uma vez para perto da boca e repetisse o processo como um belo europeu que és, me tragando sem pressa, me sentindo arder devagar contra os seus dedos.
Só que eu não tenho uma embalagem para te alertar do que eu posso ou não causar, não tenho uma lista completa de efeitos colaterais, não venho em packs de oito e nós dois sabemos que muitas palavras podem me definir, menos arder com calma.
Mas como eu já te disse antes, se até os anjos se deixaram levar por um cigarro clandestino, como que um mero mortal como você pode recusar uma oferta tão bem legalizada?
E talvez seja isso que te assuste, a falta de alertas específicos, quais males trago a sua saúde e as minhas substâncias químicas que você ainda não conhece muito bem.
Ou talvez, você se preocupe em colocar em risco mais órgãos vitais e só sobre o rim para te manter vivo, já que o pulmão é dominado pelo tabaco, e o coração e cérebro já tem o meu nome encravado.
Parte de você deve saber que esconder o cheiro de cigarro da sua mãe é muito mais fácil do que encobrir o trajeto dos meus beijos e isso é assustador porque, bom, como explicar a ela que você além de ser fumante, é agora apaixonado?
Pode ser também que você tenha medo de se viciar como se eu fosse mais um pouquinho de cigarro e pode ser que surja aquele medo de que eu não me vicie em você, como você se viciou em mim.
Mas em qualquer que seja o caso, baby, saiba que eu, que nem fumo, te trago no peito.
Com todo o meu amor,
Como sempre,
S. Ganeff
ELE CHEIRA COMO LÁ FORA DEPOIS DA CHUVA
Ele cheira como lá fora depois da chuva, quando as gotas fortes já foram embora e só sobrou uma garoa tão tímida, que nem deveria ser chamada de garoa.
O asfalto ainda está molhado, algumas poças presentes aqui e ali e a água escorre rapidamente alternado seus beijos na lateral da calçada e no fim da rua.
Ele é exatamente assim. É aquela sensação que todo mundo já teve, todo mundo conhece, todo mundo sentiu; mas nunca por muito tempo.
Quando o temporal acaba e você não sabe direito se fica em casa ou sai; se usa o guarda-chuva como escudo ou o para-brisa como proteção. Mas no fundo você sabe que ninguém arma uma barraca na grama molhada sentindo as pequenas gotas caírem no rosto.
Ele traz sim uma sensação boa. Toda vez. Seu sorriso tímido e olhos brilhantes são sempre a alegria da festa, a risada no funeral, a garoa tímida após o dilúvio.
Todo mundo se fascina pela chuva, ninguém sabe exatamente o porquê ou como, mas no momento que se ouve a água escorrendo pela janela ou o a luz veloz de um raio acendendo a última faísca de admiração, se sorri enquanto o chão treme com o barulho. Ficamos todos assim, parados, fascinados demais para se mover, eletrizados demais para não.
O único problema é que ninguém quer ficar molhado.
Muito menos ensopado tão lentamente com ele. Naquela sua típica garoa eterna, que é fria e insuficientemente úmida.
Ninguém quer sentir a humidade do asfalto, enfiar o pé na poça ou deixar com que a chuva caia sem pressa.
Mas eu,… eu sempre gostei da chuva. E tenho certeza de que parte dele sabe que o cheiro de lá fora depois do temporal é o melhor perfume do mundo.
Justamente por ser pouco apreciado.
Com todo o meu amor,
como sempre,
S. Ganeff
September 4, 2021
VOCÊ É O TIPO DE PESSOA QUE A GENTE LÊ
Você me lembra um típico personagem principal de livros. Aquele que todos os outros personagens acham estranho ou ordinário demais, mas para o leitor, e apenas para o leitor, é intrigante de uma maneira simples, usa jaqueta jeans e tem um diário.
Parece que não foi tão bem sucedido aos olhos dos outros personagens mas o leitor sabe como você, no final da história conquistou o que sempre quis. Como tem agora a coragem que sempre almejou e se tornou o mais desejou.
E agora, traz no peito metáforas como amuletos e a cada letra do nome possui restos de sonhos inalcançáveis.
Você é o tipo que ainda vai viver muitas aventuras ao longo dos capítulos e vai levar o coração do fiel leitor a cada uma. Do tipo que luta com dragões, rouba raios e fica com a princesa. Que empunha uma espada como se não pesasse nada, que apesar de ter um arqui-inimigo, não tem coragem de matá-lo. “Um coração grande demais para matar um maior ainda”, diz o narrador.
Você é o prensagem principal que está, mesmo que pouco, em cada estante que divide espaço com os grandiosos, que espalha amor em forma em silabas.
Aquele que cativa tanto o leitor que continua presente mesmo depois que o livro acaba. Que deixa aquela frase estampada no cérebro do leitor e faz com que se deseje tatuá-la na testa só para ler toda vez que se olha no espelho.
Tem aquela sensação de ator de Hollywood perdido na vida, poeticamente sem rumo. Tem o mundo na palma da mão e arranca suspiros com um único olhar.
Solta palavras encatadoras, conta histórias que não parecem muito reais e promete não sair do seu lado nunca.
Parece que foi feito para nunca ser real, para nunca ser amado de verdade, para buscar sem parar pelo amor, para só fazer com que corações se apaixonem em silêncio e nunca expressarem o que sentem a cada batida.
O tipo de cara que a gente nunca cansa de ler sobre. Ou no meu caso, escrever.
Com todo o meu amor,
como sempre,
S. Ganeff
August 23, 2021
ROUBE GARRAFAS DE LICOR E BEIJE ESTRANHOS NO OUTRO LADO DO PLANETA
Na moral?
A vida é curta demais para não roubar garrafas de licor e beijar garotos com nomes impronunciáveis, quando se está do outro lado do mundo.
Se você me disser que estou errada ou me julgar com a sua cara feia, digo apenas:
Você não faz ideias da ternura de um nome estrangeiro testando cada parta da sua boca, os músculos se esticando para formar um ponto de interrogação quando a voz acaba.
Você não faz ideia de como queima um amor tão rápido quando se mistura, juventude com goles proibidos.
Uma combinação mortal, eu diria.
Um nome que fica preso entre os dentes e se recusa a escorregar para fora da linga; um rosto nunca visto antes repleto de traços implorando para serem descobertos; olhos de um (a)mar tão azul nunca dantes navegados te fazendo encarnar o próprio Pedro Alvares Cabral.
Tudo tão tentador.
Como que eu sei?
Bom, confessaria cada linha, contaria com todas as letras a história completa sem faltar um único detalhe deixando apenas pontos vazios para você preencher com a sua imaginação.
Mas minha família costuma ler o que escrevo e não acho que seria uma boa prova ao meu favor na delegacia. Muito menos na polícia internacional.
Por motivos aqui censurados, digo apenas que o nome suava francês, as estrelas brilhantes estavam altas, e algumas pareciam despencar do céu. Ele me disse, deitado com a cabeça na mochila, que eram na verdade bitucas de cigarro.
Essa você já deve ter ouvido antes também, né?
A areia estava fofa, o som do mar nos abraçava e a lua… a lua já sabia segredos demais. Mais um não faria diferença.
Uma combinação de pecados em uma noite que me prometia que a vida, está lá para ser vivida.
Para muitos tudo isso soa um absurdo e… Santo Deus! Isso nunca deveria ser dito! Muito menos escrito!
Mas acredite em mim quando digo que até os melhores santos sabem que não demora muito para algum anjo bom seja corroído por uma chance de amor clandestino.
E quem somos nós, quando a lua pisca, ele sorri e tudo é tão bom?
E se você me conhece, cada palavra aqui apresentada não se passa de mais um sonho infantil de uma fictícia noite de verão.
Se fosse real, colocaria muito mais detalhes, ou quem sabe, nenhum.
Com todo o meu amor,
como sempre,
S. Ganeff
August 22, 2021
ESTOU INDO EMBORA
Desculpa, mas eu tô indo embora.
Já falei por vezes demais essa frase, que agora, as palavras saem da minha boca de maneira tão natural, que o meu coração nem sente o efeito.
Fica tudo no peso do seu.
Já tô com as passagens na mão, mala na porta, minha mãe chorando à dias e com até carona especial para o aeroporto. Mas quem vai me deixar é você.
No silêncio.
Nos nossos últimos minutos juntos, você não vai me dizer o que sempre quis? Dar uma chance para um último beijo? Declarar um amor para sempre perdido?
Não vai correr atrás de mim no aeroporto?
Não precisa fazer uma cena, me caçar entre os portões de embarque esbarrando em que ousasse cruzar o seu caminho em busca do amor, mas pelo menos, faz um favor antes de me deixar partir, alivia dois corações me dando um abraço de despedida.
Entrelace seus braços na minha cintura, deixe que suas mãos sintam o tecido da minha roupa em forma de despedida.
Deixe suas mãos reconhecerem o trajeto que faziam tantas fezes, sentindo o meu calor por uma última vez.
Fungue o perfume do meu cabelo que você tanto gosta, sussurre no meu ouvido. Pode ser palavras sem nexos, fatos científicos, quem ganhou o Brasileirão, verdades guardadas no seu coração, qualquer coisa. Mas não me deixe com fantasmas de palavras que nunca foram ditas.
Se as lágrimas me permitirem, te prometo que eu sussurro no seu.
Pode até me mandar uma mensagem, curtir uma foto minha de vez em quando e dizer que vai me visitar, faça qualquer coisa, mas te peço:
por favor, não me deixe perdida em seu mórbido silêncio.
Com todo o meu amor,
como sempre,
S. Ganeff
March 3, 2021
O CASAL DA SAINT GERMAN
Se conheceram jovens. Deviam estar em um baile repleto de sorrisos largos, olhares longos, saias rodadas e música alta. Um ambiente que escondia rostos com fumaça de cigarro e brumas da noite.
Ele deve ter a visto dançando entre as amigas, rodopiando com seu vestido azul, sorrindo como se não houvesse amanhã. Ah, ele desejou com todas as forças puxá-la para o centro e dançar com ela em seus braços a noite inteira, exibindo para quem quisesse ver que ela, o escolheu para girar na pista.
Seu coração até palpitava mais forte com a ideia; mas ele era tímido. Ficou em silêncio a observando de longe, imaginando como seria o fundo dos seus olhos.
O que ele não sabia, é que seu olhar queimava. Ardia na pele dela com tanta força que não tinha como negar um olhar tão quente sobre o seu corpo.
Um incêndio se formou em seu coração aos poucos.
Ela olhou em volta tentando descobrir quem seria o dono de um olhar tão denso, e logo ali, no canto do salão, a encarando com desejo, ele queimava por ela. No mesmo momento ela soube que era ele, era ele no meio de toda a multidão.
Ela atravessou o salão em sua direção, puxou a mão do jovem tímido o chamando para dançar.
Eu diria que foi ao som de La Vie en Rose que se apaixonaram, mas seria óbvio demais. Foi com a voz de Frank Sinatra.
Uma única noite foi o que custou para os dois corações se entrelaçarem.
Eles começaram a se ver todos os dias durante três semanas, faziam passeios calmos durante a noite e aventuras épicas durante o dia. Pulavam muros, roubavam flores, beijavam na chuva. Se amaram um pouco mais a cada segundo.
Até tentaram esquecer o terror que assombrava a Europa aos poucos, achavam que o amor era maior e que nada os separaria; mas logo os jornais anunciaram que a França havia sido invadida.
Ela arrancou o coração do peito e deu para ele levar para o campo de batalha, “vai que com um pouco de amor ajuda, né?” Ela disse o entregando com cuidado deixando com que algumas lágrimas caíssem entre a plataforma e os trilhos do trem.
Ele respondeu que assim que voltasse, eles se casariam na Notre Dame.
Ela sorriu, mas a única promessa que ela queria, é que ele voltasse.
Trocaram cartas. Muitas. Em todas, ele tentava esconder com palavras de amor e alguns poemas, os horrores que vivia no campo de batalha. Ela caprichava na letra e não media palavras na hora de esconder o medo que a assombrava.
Depois de dois anos traçados por cartas, ele foi dado como desaparecido.
Ela se quebrou ao meio.
Ficou desesperada, inconsolada, arrasada.
Era mais uma das coisas que a guerra havia tirado dela.
O que ninguém contava é que o amor a deixou forte. Cada jura a deu força de não desistir, ele prometeu. Sempre cumpria suas promessas.
Ela procurou por ele em toda a França, seu coração dizia que ele ainda estava por aí, que ele ainda era dela.
Nada foi encontrado.
Ela queria pegar o trem e pisar no campo de batalha, queria buscar entre as trincheiras, bombas, soldados e destroços por seu amor. Queria encontrá-lo sozinha, queria pegá-lo nos braços e sentir o coração dele bater perto do seu, queria beijá-lo e levá-lo para longe de tudo. Mas sua família não a deixou embarcar no trem.
Nenhum dos dois sabe dizer quanto tempo se passou. Noites longas demais, dias nublados demais. Quando menos esperava um telegrama chegou em suas mãos em uma tarde quente.
Linhas curtas avisavam que seu amor havia sido encontrado. Ele estava deitado em um hospital de campanha na Normandia.
Ela pulou a janela do quarto, pegou um trem e foi encontrar com ele.
Seu coração sempre falou mais alto que a razão.
Dias mais tarde, a França estava livre.
Se casaram em uma capela no campo. Com vista para a plantação de lavanda, se olharam nos olhos e juraram amor eterno.
Até hoje os convidados acham que o cheiro de amor é o mesmo de velas de lavanda.
Tiveram cinco filhos que cresceram mais rápido do que o esperado.
Eles moram agora em um apartamento em Saint Michel, e todo sábado de manhã, vão à feira de rua de mãos dadas comprar lavandas para a semana.
Tudo para não se esquecerem que o amor, ainda flutua no ar que respiram.
Parece que é algo digno de Nicholas Sparks, mas eu acho que é verdade. Toda vez que vejo essa foto, penso que essa é a história por trás. Mas como vamos saber, não é mesmo? Só temos essa foto dos dois juntinhos trocando um olhar caliente.

Com todo o meu amor,
como sempre,
S. Ganeff
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