Bruno M. Franco's Blog
February 19, 2025
20 ANOS DESDE QUE A MINHA VIDA MUDOU
Curiosamente, um cancro que mesmo após mais de uma década de trabalho no IPO de Lisboa nunca tive contacto com um único caso que fosse semelhante ao dela. Nem um único em milhares de doentes que tratei. Teve de ser um cancro raro a levar uma mulher rara e única. É assim que encaro a doença que me tirou a minha mãe.
Como vocês já devem ter reparado, não sou de me vitimizar nem de partilhar a dor que me assola desde que perdi a minha mãe quando eu tinha apenas 14 anos. Não tenho problemas em falar sobre esse episódio se surgir nalguma conversa, mas não sou de partilhar nada sobre este assunto por minha iniciativa. No entanto, era impossível não fazer uma referência a esta marca dos 20 anos desde a sua morte.
20 anos, caramba.
Há 20 anos vivi o período mais negro da minha vida, e logo numa fase tão decisiva e que precisamos tanto dos nossos pais. Foi um ponto de viragem de tal forma profundo que tudo o que sou ou alcancei hoje tem origem nesse dia: 19 de fevereiro de 2005. A minha mulher, a existência do Henrique, a escolha de Radioterapia como área profissional a seguir, a minha vontade de trabalhar no IPO de Lisboa em específico, a descoberta da escrita, certas competições de natação e tantas outras coisas tiveram como ponto de origem aquele momento. Aquele momento em que tive de aprender a viver sem mãe, que tive de aprender a aceitar que mais nenhum dia da mãe seria celebrado, mais nenhum aniversário dela seria feliz e que tantas outras datas e momentos nunca mais seriam vividos da mesma forma. O dia a partir do qual ter o contacto «Mãe» no telemóvel deixaria de fazer sentido e o dia a partir do qual passaria a desviar o olhar para o lado e a remeter-me ao silêncio quando os meus amigos falassem de mães.
Agora que sou pai começo a compreender a dor que terá sido para o meu pai ter de ultrapassar a morte da mulher da vida dele, tendo também dois filhos adolescentes para cuidar e guiar. Começo a aproximar-se dessa idade e cada vez mais penso nisso. Imagino a dor que ele terá sentido, e que ainda sente, e em como lidaria eu com uma situação dessas. Isso só me faz admirá-lo ainda mais. Espero não passar por nada disso, porque já passei como adolescente e como filho e foi horrível. Para mim é mais do que suficiente. Consegui ultrapassar a morte dela com a ajuda da natação e da escrita, mas não sei o que faria se passasse por algo parecido agora.
Dizem que o tempo cura tudo, mas isso é a maior mentira dita e repetida para que as pessoas que nunca passaram por nada de semelhante tenham algo a dizer e que não pareça tão oco como o «vai ficar tudo bem», ou «ela está num lugar melhor agora» e semelhantes. O tempo não cura nada. Não, quando se tratam de dores fraturantes e profundas como esta. O que o tempo faz é amenizar a dor, no sentido em que nos vamos habituando à sua presença como nos habituamos a um cheiro fétido que acabamos por deixar de notar quando nos habituamos a ele. Com este tipo de dor é o mesmo. Começamos a habituar-nos à sua presença, acolhemo-la na nossa vida como algo que temos de carregar todos os dias e, à medida que o tempo passa, criamos habituação e uma certa dormência que nos faz pensar que a dor diminuiu, que passou tudo. Mas é quando menos esperamos que a dor nos arrebate de uma forma que nos faz ver que andávamos apenas anestesiados, mas que ela continua lá, com tanta ou mais força do que no início. É que agora juntam-se as saudades de décadas afastados e a sensação de injustiça por viver tantos e bons momentos sem que ela tivesse a sorte de estar presente para os viver com a alegria e entusiasmo que só ela tinha no que tocava aos seus filhos. O nascimento dos netos, os momentos importantes do crescimento de cada um, os casamentos dos filhos, as graduações da universidade, a minha escrita, as competições de natação e cada conquista pessoal e profissional foram tudo momentos que ela perdeu. Momentos que nunca vivi feliz a cem por cento por faltar o sorriso dela, o carinho dela, o orgulho que ela tinha em ser uma mãe babada. A vida pode ser uma merda.
Neste momento considero-me um homem muito feliz e realizado, com muitos sonhos, mas há sempre uma nuvem negra por cima de mim que me faz recordar dela principalmente nos momentos em que me sinto mais feliz. Não poder partilhar com ela nada do que aconteceu de importante nos últimos 20 anos é uma tortura e algo que me enerva profundamente perante a injustiça da vida. Dizer que perdi a minha mãe há 20 anos, tendo eu ainda 34, é muito triste. Mas a vida continua, não é verdade? E o tempo cura tudo, segundo dizem, portanto estou safo. Só que não.
O que mais lamento acima de tudo é que a minha mulher e o meu filho nunca terão a oportunidade de conhecer a minha mãe. Tenho a certeza de que ela seria uma sogra e uma avó babada e do melhor que se podia pedir nesta vida. Quero acreditar que num universo paralelo ela tenha tido essa sorte e que percebamos que os sortudos éramos nós por a ter connosco.
A verdade é que o tempo não pára e é incrível e estranho ao mesmo tempo que tenham passado 20 anos, quando parece que foi ontem que soubemos da sua morte e que vi o corpo dela sem vida na cama do hospital. Lembro-me como se tivesse sido há umas horas. Mas já passaram vinte anos. E espero cá estar para assinalar muitos mais. De preferência, rodeado de pessoas maravilhosas e com a minha família fantástica como tem sido até agora.
Sou um sortudo pela mulher, filho e cão que me calharam na rifa. Por vezes, olho para a Sara, para o Henrique e para o Joey e penso que a existência deles na minha vida foi a maneira que a vida arranjou para me compensar pela perda que tive no passado. Se assim foi, até que foi muito bem jogado. Se me sinto hoje um homem felizardo, muito se deve a eles. Obrigado por isso, meus amores.
November 14, 2022
«JOGO MORTAL» foi lançado para as livrarias há dois mese...

«JOGO MORTAL» foi lançado para as livrarias há dois meses e não podia estar mais feliz com o feedback que tenho recebido. Vocês são leitores incríveis e merecem apenas o meu melhor. Continuarei a dar tudo o que tenho para vos proporcionar momentos de leitura fantásticos e memoráveis.
Em jeito de celebração, vou publicar aqui os teasers sobre o livro que nunca cheguei a publicar aqui no meu site. Atentem aos próximos posts.
Obrigado pelo vosso apoio, é incrível! Mal posso esperar para que descubram o que tenho planeado para os próximos livros da dupla Leo e M&M.
December 21, 2021
Conto de Natal 2021 Com as mãos protegidas nos bolsos do ...

Conto de Natal 2021
Com as mãos protegidas nos bolsos do casaco grosso, a mulher caminhava com uma sensação estranha dentro de si. Sentia uma necessidade de espairecer e, por isso, palmilhava as ruas de forma aleatória, metida nos seus pensamentos.
À sua volta, as ruas começaram a iluminar-se com a aproximação da noite. E que noite era aquela. Entre as luzes dos candeeiros destacavam-se outras luzes mais coloridas. Mais festivas.
Engoliu em seco. Como é que já era novamente Natal?
Por muito que as pessoas desvalorizassem esta época festiva, era impossível ignorarem e não se deixarem contagiar pelo espírito natalício. O frio, que tornava prazenteiro a ingestão de bebidas quentes e que nos levava a vestir roupas mais grossas e aconchegantes, era uma delícia. O cheiro a filhós, bolo rei, fatias douradas e todos os doces característicos do Natal davam sempre um aconchego que só uma tradição conseguia. A bondade que parecia sobressair neste período era incrível, bem como a vontade de juntar a família em torno de uma mesa farta, com gargalhadas a temperar a refeição e brincadeiras a intervalar cada prato. Os passeios em família, as fotos, os presentes. As luzes e as músicas de Natal que se escapuliam de cada estabelecimento e habitação e que compunham tão bem a quadra natalícia.
No entanto, era também uma altura em que mais se sentia a falta de certas pessoas. Pessoas que foram muito importantes e que desapareceram, que não estavam mais presentes. Os entes queridos que haviam falecido.
A mulher sentiu um aperto forte no coração perante a inundação de luzes e de espírito natalício que traziam consigo tantas e boas memórias, que nunca mais seriam repetidas. Seria por o Natal ser um evento mais familiar que sentia ainda mais a falta do seu falecido marido?
O homem com quem casara vinte e três anos antes falecera há quase cinco. Partira muito novo, com muitas promessas por cumprir e muitos feitos por concretizar. Muitos momentos por assistir. Demasiados carinhos por dar e por receber.
Cerrou as mãos em punho, sentindo falta da mão dele entrelaçada na sua.
A mulher ainda não chegara aos cinquenta anos e já era viúva. A vida, por vezes, podia ser muito injusta. Como pudera tirar deste mundo um homem incrível como o que casara com ela? Um homem sempre animado, que não fazia mal a ninguém, que tinha um espírito bondoso impressionante e que jamais guardava rancores, fosse de quem fosse. Um homem que a tornara numa mulher bem melhor e mais completa, mais apta para enfrentar as vicissitudes da vida. Um homem que com ela tivera três filhas que já eram mulheres e que, em breve, sairiam de casa e a deixariam sozinha.
Piscou os olhos para conter uma lágrima. Não era nada fácil fazer aquela caminhada sozinha. Talvez nunca mais o fosse. Mas era algo que precisava de fazer. Em memória do marido. O seu melhor amigo, que desaparecera injustamente.
Era impressionante o quanto o marido adorava ver as luzes de Natal e comentar os enfeites que cada casa ou loja se orgulhava de colocar nas suas fachadas. Havia o constante Pai Natal a subir a escada, as luzes intermitentes espalhadas ao longo da parede e das janelas, ou até os dizeres escritos a branco a imitar a neve. Aquela era uma tradição que eles tinham: palmilhar ruas e mais ruas para se envolverem no espírito natalício, sempre de mãos dadas ou agarrados um ao outro, enquanto olhavam, maravilhados, para as decorações.
Agora, em sua homenagem, aquela mulher estava a fazer o mesmo, mas sozinha. Como fizera nos últimos anos. Por diversas vezes, fora vista a chorar enquanto apreciava alguns adereços. Ninguém percebia o que se passava, e alguns até a achavam estranha, mas a verdade é que ela via o marido em todo o lado. Sentia-o mais presente naquela altura do que no resto do ano. Via-o em cada luz, em cada enfeite vermelho, verde, dourado ou prateado, em cada Pai Natal, em cada árvore de Natal, em cada presépio, em cada peça de roupa natalícia, em cada café que servisse chocolate quente.
Ele estava em todo lado.
E não estava em lado nenhum.
Ela continuou a caminhar.
Nas últimas semanas, as filhas perguntaram-lhe várias vezes que prenda queria ela para o Natal. Algo que ela precisasse, como roupa, calçado, algum livro, algo para o escritório. Mas a mulher não soubera responder. Pelo menos, não o conseguia fazer com sinceridade. Acabara por dizer que precisava de umas calças novas, um casaco grosso e queria muito um livro de uma autora que adorava.
No entanto, se tivesse respondido com sinceridade teria dito que gostava de ter mais um dia com o seu marido. Era só isso que ela queria. Era o seu maior desejo: apenas um dia com ele, para o ver novamente, para falar, para lhe contar como foram os últimos cinco anos. As saudades horríveis que ela sentia todos os dias, as conquistas escolares e desportivas das filhas, as chatices com os namoricos e com a guerra de autoridades entre elas, com ela a impor regras e elas a quebrarem-nas. Mas como, no final do dia, estavam sempre bem e sabiam o quanto se amavam.
Queria mais um dia para lhe tocar, para sentir a pele sempre quente a envolvê-la, para o beijar e sentir a barba a roçar na sua face, para ver o sorriso lindo que amolecia o seu coração. Queria mostrar-lhe como as filhas cresceram e estavam lindas. Como ela se sentia orgulhosa delas. Gostaria, também, que ele lhe garantisse que ela estava a fazer um bom trabalho a educá-las sozinha, apesar do medo que sentira quando ficara viúva com três filhas na adolescência. Ficara apavorada depois de perceber as consequências da morte do marido. Três raparigas em plena adolescência precisavam de si. Mais do que nunca. Como ela tivera medo de falhar… Fora terrível.
Mas desenvencilhara-se. Com a ajuda da família, conseguira não se perder na mágoa nem permitir que as filhas se perdessem para o mundo. Segurou-as o melhor que pôde e seguiram em frente. Despedaçadas e quebradas, mas não pararam de avançar.
Aconteceu tanta coisa desde que partiste — pensou ela, soturna e melancólica, contrastando com a alegria das iluminações que observava. — As nossas filhotas foram para a faculdade com bastante mérito e estão a ter muito sucesso. A mais velha já terminou o curso e arranjou logo emprego. As outras duas já têm oportunidades de emprego debaixo de olho. Estou muito feliz pelas nossas meninas. Estão tão crescidas… Ainda agora eram umas pirralhas que faziam a nossa vida num inferno, e agora olho para elas e já são umas mulheres. Pena não estares aqui para presenciar estes momentos tão importantes para nós… Só espero não te ter desiludido, amor. Garanto-te que elas nunca te irão esquecer e irei garantir que irás estar sempre presente nas nossas vidas, seja de que maneira for. Elas têm imensas saudades tuas, sabias? Eu também, claro. É sufocante encarar o resto da minha vida sem ti ao meu lado. Mas imagino que tenhas ainda mais saudades nossas, onde quer que estejas. Nós ainda nos temos uns aos outros, mas tu… — Tentou não chorar de forma audível. Um casal passava por si a passear um cão e estavam a olhar de lado, desconfiados. — Prometo que os nossos netinhos saberão o homem forte, determinado e carinhoso que criou as mães deles. Saberão tanto de ti como se te tivessem conhecido. Prometo, meu amor. Os nossos netos ficarão orgulhosos quando souberem o avô que infelizmente não puderam conhecer. É tão injusto não estares aqui, connosco… Ainda hoje sinto tanta raiva pela injustiça da vida. Não é justo! Percebes? Não é justo tu teres morrido quando há imensas pessoas más e horríveis que continuam por cá… Não é justo, bolas!
Passou a manga do casaco pelo rosto molhado de lágrimas.
Essa será, talvez, a maior mágoa que tenho. Só de pensar que os nossos netos vão nascer e crescer sem o avô materno, fico de rastos. Logo tu que querias tanto ser avô. Tu, que ansiavas que as miúdas tivessem filhos para voltares a brincar com os bebés como fizeste com elas. Meu deus, tu serias o avô mais babado de sempre. Tenho a certeza!
Sem dar por ela, sem se recordar de como chegara ali, parou de caminhar. Encontrava-se à porta da sua moradia. Fora a primeira e única casa que eles tiverem desde que se casaram. Agora, estava prestes a ser habitada apenas por ela, já que as filhas, mais ano menos ano, iriam seguir os seus caminhos.
Ficou a apreciar a fachada da casa, extensamente decorada e iluminada pelas filhas, que insistiam em manter viva a memória do pai e a sua paixão tão forte pelo Natal.
As memórias que esta casa guarda… A nossa vida como casados começou aqui. Ainda me lembro das discussões parvas que tivemos quando nos estávamos a adaptar à vida em conjunto. Ou era porque tu deixavas as meias espalhadas por todo lado, ou porque eu metia a água a escaldar quando tomávamos banho… Mas fomos tão felizes, não fomos? As saudades apertam bem forte quando penso em ti desta forma tão vívida. Queria tanto voltar atrás no tempo e fazer tudo de novo, viver tudo de novo contigo. Era o que mais queria neste mundo…
Umas gargalhadas bem fortes fizeram-se ouvir do interior da moradia.
Tenho muito orgulho em nós, sabias? Foste a melhor coisa que me podia ter acontecido. Sem ti, nunca saberia o verdadeiro significado de felicidade. Nem de amor. Obrigado por isso. De coração.
Conseguia ouvir conversas animadas dentro de casa, que estava recheada com as filhas, os pais, irmãos e sobrinhos. A sua família estava ali toda para celebrar o Natal.
Só faltas tu, amor. Só faltas tu para o Natal ser perfeito. Mas nunca mais será perfeito, não é? Haverá sempre aquela pequena nuvem cinzenta a pairar no horizonte. Isso nunca mudará.
Ia tocar à campainha, mas deixou o dedo pairar a um centímetro do botão.
A verdade era que, independentemente da desgraça que se abatesse sobre as nossas vidas, o mundo continuava a girar e a vida continuava. Sempre.
Após a morte do marido, essa indiferença da vida para com o que lhe acontecera enchera-a de raiva. Como podiam as pessoas continuarem as suas vidas tão felizes, quando uma desgraça daquele tamanho se abatera sobre si? Fora uma luta longa e dura até perceber que a vida nunca parava, acontecesse o que acontecesse. Não era nada contra ela. O sentido da vida era sempre para a frente. Sempre.
Independentemente se o seu marido estava vivo ou morto.
Ali, dentro de casa, estava a prova disso mesmo. Ela estava desfeita por dentro, tal como a sua família, mas eles estavam animados e felizes. E essa felicidade não significava desrespeito pela memória dele; antes pelo contrário. Ela tinha a certeza que o marido quereria que a família continuasse a ser unida e feliz como sempre e que não deixassem de aproveitar a vida. Isso só tornaria tudo pior. Fora com esse pensamento que conseguira ultrapassar a morte dele.
— Vais ficar aqui fora até congelares, mãe?
Sobressaltada, virou-se para trás e viu a filha mais nova, que segurava umas pinhas que devia ter ido buscar num terreno ali perto para colocar na lareira.
Aqueles olhos meigos eram os do pai.
— Pensava que já estavas em casa. Eu estava só a…
— A pensar no pai?
A mulher sentiu-se embargar de emoção e, não conseguindo responder, abriu os braços para receber a filha. Abraçaram-se com força e choraram juntas até descarregarem a melancolia que as preenchia naquela altura do ano. Era normal. Não significava tristeza, mas antes saudades. Saudades de uma das pessoas mais importantes das suas vidas que nunca mais puderam ver.
— Espera um pouco. Este é o momento ideal para te dar a minha prenda.
A mulher assentiu, não conseguindo ainda falar por causa da emoção, que lhe deixara um nó na garganta. Entrou no pátio de casa e fechou o portão atrás de si, na expectativa. A filha surgiu novamente e fechou a porta de casa. Queria privacidade. Na mão, tinha um embrulho retangular e espesso. Como se fosse um livro. Aproximou-se da mãe e estendeu-lhe o presente.
— Abre.
Antes de abrir, viu que a filha parecia nervosa. Isso só a deixou ainda mais receosa. Rasgou o papel de embrulho e as lágrimas surgiram instantaneamente.
Nas suas mãos, a mulher tinha um álbum de fotografia, muito semelhante aos dos casamentos. Era grande e cada página era bem espessa. Na capa estava uma foto do casamento deles. Folha a folha, fotografias das suas vidas em conjunto desfilaram à frente dos olhos, de forma cronológica. O casamento, a primeira noite naquela casa, a celebração da primeira gravidez, todo o percurso até terem a filha mais velha, e por aí fora. Cada momento importante estava representado naquele álbum. Ao ver a última foto percebeu ainda mais o quão jovem o marido era quando morreu, cinco anos antes. No dia em que souberam da doença que ele tinha, tinham ido passear com as filhas a um jardim muito bonito a meia hora de caminho de casa. A foto mostrava-os aos cinco abraçados, a olhar para a câmara com uma felicidade tão grande, uma tranquilidade tão profunda e um bem-estar tão genuíno, que fez a mulher fechar o álbum e apertá-lo no peito, vertendo lágrimas de saudades e de raiva. Eles eram tão felizes, eram a família perfeita, mesmo com todos os defeitos. Mas a vida tratara de arruinar o que de melhor eles tinham.
— Obrigado, filhota — conseguiu ela dizer, no meio dos soluços do choro.
A filha, também a chorar por ver a mãe naquele estado, abraçou-a novamente. Com força. Apertaram-se como se nunca mais se fossem largar.
Pouco depois, o som da animação da casa fê-las perceber que tinham de regressar. Mais calmas, quebraram o abraço e ela agradeceu novamente à filha pela prenda. Tinha sido a melhor de sempre. A filha limpou o rosto e sorriu.
A mulher olhou para a filha e viu o marido nos seus olhos. Ele podia não estar ali com eles, mas estava presente. Sempre. Em cada uma delas. Ele fazia parte delas e enquanto elas fossem vivas e se recordassem dele, ele viveria.
Ele vivia nelas.
Cabia-lhes a missão de honrarem a sua memória sendo felizes.
E a celebrarem o Natal.
Mãe e filha entraram em casa rumo a mais um Natal sem aquele grande homem ao lado delas. Mas seria um Natal feliz, cheio de amor e carinho, como se desejava. Bastava ter a memória do falecido bem quentinha e presente dentro do coração. Dessa forma, ele seria eterno. E era como se estivesse ali mesmo ao lado delas a partilhar a alegria e magia do Natal.
No fundo, esse é o grande poder do Natal, o de nos fazer sentir a presença bem perto de nós dos nossos entes queridos que já faleceram. Temos de ser felizes por eles, pela sua memória e por serem eles os primeiros a quererem que sejamos felizes para sempre, com ou sem eles.
Portanto, mantenham os vossos falecidos bem dentro do coração enquanto celebramos mais uma quadra natalícia junto dos que mais amamos no mundo.
FELIZ NATAL!
December 14, 2021
CONTO NATAL All I want for Christmas is youuuu!Sempre q...

CONTO NATAL
All I want for Christmas is youuuu!
Sempre que ouço esta música pela primeira vez no início de dezembro, ou em finais de novembro como foi o caso deste ano, sei que chegou o Natal. É a música mais icónica desta época festiva e funciona como o sinal de partida para a época natalícia. É uma música adorada por praticamente todos, nem que seja pelas memórias que as pessoas associam a esta época sempre tão quente, tão cheia de amor, tão cheia de reuniões familiares, tão cheia de prendas e tão cheia de doces e iguarias deliciosas que aguardam onze meses para serem feitas e provadas novamente.
Por muito que haja quem se farte desta música ao fim de um ou dois dias, a verdade é que aquela primeira vez, aquela primeira nota que aponta imediatamente para a grande Mariah Carey, rouba sempre um sorriso e um vislumbre feliz do que está para vir uma semana antes do final do ano.
Mas não a mim. Sempre que aquele primeiro sininho da música surge no rádio, ou na televisão, ou em alguma loja, o meu primeiro pensamento é sempre o mesmo:
Lá vamos nós outra vez. Já começou a pior época do ano.
E vocês perguntam-se que estapafúrdica razão posso eu ter para pensar isto, tendo em conta que sou tão nova, ainda uma rapariga de quinze anos. Certamente que me diriam que devia ficar radiante por saber que ia receber muitas prendinhas e comer muitos doces até enjoar ou vomitar, como acontece a alguns amigos meus que não têm qualquer autocontrolo no que toca a doces.
Eu percebo a vossa admiração. Juro que sim. Mas, para mim, é um hábito sentir um aperto no coração e uma tristeza profunda sempre que ouço a icónica música natalícia. É um dado adquirido. Eu nunca soube o que é um Natal em família. Um Natal assim quentinho, aconchegado, cheio de coisas boas para comer e conversar.
Não.
Para mim, o Natal é sinónimo de tristeza, de sofrimento e de afastamento. Nunca percebi o porquê de as pessoas adorarem tanto o Natal, de ficarem felicíssimas quando estamos no último mês do ano. Adorava perceber. Adorava sentir isso. A sério que sim. No entanto, eu até preferia ter aulas nessa altura só para me abstrair do que se passa em minha casa. A partir do momento em que se ouve a dita música, ou quando se vê a primeira decoração natalícia, o meu pai fecha-se em copas, fecha-se sobre si mesmo e só volta a sair de lá após a passagem de ano. Fica irritadiço, zangado, não fala comigo e ausenta-se de casa muitas horas sem dizer para onde vai.
Desde que nasci que nunca passei um dia de Natal com o meu pai. Sou apenas eu, o meu irmão mais novo e a minha mãe. Sem o meu pai nem conseguimos celebrar como deve ser. A nossa casa é a única do bairro que não tem o mínimo enfeite de Natal. Até os Gonçalves do segundo esquerdo, cuja única “decoração” de Natal é colocarem um cartão a dizer «Feliz Natal» na sua porta, como se todos passassem por lá para o ver, tinham mais espírito natalício do que nós.
Honestamente, adoro decorações de Natal. Adoro como as ruas se iluminam, ficam cheias de luzes de várias cores, ficam mais acolhedoras perante o frio gelado que se sente sempre por estes dias. Um dos meus sonhos é ver a minha casa recheada de cor, de luz, de árvores de natal em miniatura, vários Pais Natal ao longo dos móveis, vários azevinhos, velas vermelhas e, claro, uma majestosa e pesadamente decorada árvore de Natal, que seria um trabalho de equipa de nós os quatro. Juntos.
No entanto, o meu Natal é ver o meu pai rabugento, maldisposto, sempre longe de casa, a reclamar a cada anúncio ou música de Natal e, claro, sem haver qualquer espécie de decoração para entrar no espírito. No dia 25, o meu pai desaparece sempre antes de eu me levantar e só chega à noite, quando já estamos todos a dormir no sofá a ver televisão.
Claro que já perguntei à minha mãe várias vezes, principalmente quando era mesmo pequenina, por que razão não celebramos o Natal e por que razão o pai desaparece sempre nesta altura.
A minha mãe abraçava-me sempre que lhe fazia a pergunta. Depois, dava-me um beijo na cabeça e afagava-me o cabelo, antes de me responder condescendentemente:
– São coisas do teu pai e temos que respeitar, filha.
A partir dos nove anos deixei de perguntar e resignei-me a ter Natais cinzentos, sem o meu pai, sem tudo o que os outros tinham. Nunca lhe perguntei diretamente, receando uma explosão da parte dele. Às vezes até uma simples brincadeira do meu irmão levava-o a gritar com ele e acabava sempre por se ir embora uma hora ou duas ao café.
Mas agora, já mais crescida, sinto uma comichão que não me quer largar. Estou farta de ter Natais assim, sem alegria nenhuma, enquanto os meus amigos partilham fotografias e vídeos lindíssimos da família e da casa cheios de alegria e amor.
Por isso, este ano, ao ouvir a primeira nota da música mais conhecida de Natal, decido fazer um desvio no meu caminho após o final deste dia de aulas. Apanho o autocarro e vou ter a casa dos meus avós paternos.
Sou recebida com alguma surpresa pelos meus queridos e fofos avós, que é logo posta de lado perante o agrado e felicidade com que eles me abraçam e me apaparicam. Não sei como é que os avós fazem, mas há sempre comida pronta a servir. Nem dois minutos passaram, já tenho uma sanduíche mista na mão, um iogurte e uma pequena árvore de natal de chocolate. Acho que as pessoas quando se tornam avós devem ganhar poderes mágicos para fazerem coisas com tanta facilidade e para saberem sempre o que precisamos para nos sentirmos bem. Vou adorar ser avó!
Depois de comer a sanduíche e o iogurte, guardo o chocolate para o caminho de volta e faço a pergunta que me tinha levado ali.
– Porque é que o pai odeia o Natal?
A reação deles é igual à da minha mãe: tenebrosa e receosa. A minha avó tenta sorrir e pergunta se eu quero outro iogurte ou algo para comer. Eu digo que já ia ouvir da minha mãe por comer tão perto do jantar; não quero mais problemas. Só quero saber o que está por trás de toda a tristeza e fúria que o meu pai sente para com o Natal. Só isso. Já chega de me esconderem o verdadeiro motivo. Não sou nenhuma criança. Sou uma adolescente e tenho o direito de saber. Acho que consigo lidar com o que quer que seja a resposta.
Eles ficam visivelmente aflitos, sem saber o que dizer. Olham um para o outro e parecem comunicar através do olhar, como decerto conseguem fazer com naturalidade. Após tantos anos de casados, conhecem-se tão bem que nem precisam de dizer o que pensam para se entenderem. O amor dos velhotes é lindo, há que admitir. Sentados assim, de mãos dadas, são mesmo um casal bonito. No entanto, vejo que, neste caso, não estão a chegar a um entendimento e passam para os sussurros, dos quais consigo captar algumas partes.
– Ela já é crescida…
– …pode não saber o que fazer…
– …merece saber, é do pai dela que…
– …estragar tudo?
– …temos de confiar que…
Mais uns sussurros são ditos sem que eu perceba e eles calam-se subitamente. Já tomaram uma decisão. Olham para mim com ternura e aceitam contar-me o que aconteceu. Ouço tudo com total atenção.
O meu pai tinha uma irmã gémea, mas tinham a particularidade de fazerem anos em dias diferentes. Isto porque ele nasceu já no final da noite e a irmã foi pouco depois, mas já tinha passado da meia-noite. Eram muito chegados, tal como se espera que os gémeos sejam. Nunca se largavam e estavam sempre juntos. Sempre que chegava o inverno, passavam horas e horas a fazer uma atividade que ambos amavam e que até tinham bastante jeito: patinagem no gelo. Costumavam patinar juntos quase todos os dias da época natalícia, e chegaram a ser convidados por equipas federadas de patinagem artística no gelo. Mas eles nunca aceitaram. Achavam que a competição ia estragar aquilo que tinham, que era puro divertimento. Eles davam espetáculos sempre que se punham a patinar naquelas pistas de gelo que há nos centros comerciais. Quando os meus avós iam às compras de Natal, em que demoravam mais de uma hora e meia, bastava deixá-los na pista de gelo que o meu pai e a gémea nem davam pelo tempo passar. Patinavam, patinavam, patinavam. Os meus avós nem percebiam como é que eles não se fartavam daquilo. Mas a verdade é que nunca se fartaram. Uns anos depois, começaram a treinar rotinas para certas músicas e dançavam na pista de gelo, atraindo a atenção de imensa gente, que ficava ali só para os ver deslizar graciosamente ao som da música de forma extremamente coordenada. Era algo lindo de se ver e os meus avós adoravam. Era o que dava cor ao Natal deles. Era a melhor tradição que tinham em família.
– Se o meu pai era assim, por que razão mudou tão drasticamente?
A minha avó continua o relato, dizendo que o último Natal feliz que eles tiveram foi quando o meu pai tinha mais ou menos a minha idade. Nesse inverno, foi feito um desafio de caráter amador a todas as pessoas: no fim de semana anterior ao Natal iria haver uma competição para o melhor dançarino no gelo. O meu pai e a irmã ficaram mais que radiantes com a notícia. Apesar de terem recusado os convites dos clubes, sempre tiveram curiosidade em saber o que realmente valiam na patinagem artística. Portanto, durante um mês eles treinaram e treinaram e treinaram. De tanto os ver, até a minha avó saberia executar a coreografia à primeira. Só faltava era saber patinar como eles sem ir de rabo ao gelo.
Então, na noite da competição, eles arrasaram e ganharam com notoriedade. Venceram a taça. Foi um momento lindo, magnífico. Eles estavam mesmo felizes. Os meus avós creem que foi o dia em que viram o meu pai mais feliz em toda a vida.
Nesta altura do relato, os rostos deles, que já estavam cheios de lágrimas pelas recordações bonitas do passado, ensombram-se quando prosseguem a história.
Depois de entregarem a taça ao meu pai e irmã, o júri pediu para que eles voltassem a dançar. Era um género de prémio adicional, poder mostrar o talento deles novamente para gáudio de todos. Claro que eles aceitaram a proposta e voltaram a executar toda a coreografia. No entanto, perto do final, havia um momento em que ela se apoiava no meu pai e ele ajudava-a a saltar, fazendo com que ela fizesse um pequeno voo, antes de aterrar e prosseguir a dança de forma harmoniosa e fluída. Eles executaram esse movimento como tantas outras vezes. No entanto, desta vez, ao pousar os pés no gelo, a gémea do meu pai não apoiou bem o pé e acabou por torcê-lo com gravidade. Interromperam ali a dança e foram para o Hospital. O mais certo era ela ficar umas semanas a andar de muletas. Mas o problema não era esse. Tomara que fosse. O problema foi que, ao fazerem uma radiografia à perna para perceberem os danos causados pela queda, detetaram algo que foi confirmado com outros exames que ela fez a seguir: um osteossarcoma. Portanto, descobriram que ela tinha um tumor nos ossos. Um tumor maligno.
Fico sem palavras, embargada de emoção. A minha tia tinha a minha idade quando soube que tinha cancro. Deixo os meus avós rumarem até ao final da história, o rosto deles desfeito pela tristeza e mágoa.
Os tratamentos prolongaram-se durante um ano e, na altura do Natal seguinte, a gémea do meu pai estava com o sistema imunitário muito debilitado e acabou por contrair uma infeção hospitalar. Numa semana piorou drasticamente, faleceu e foi enterrada. E, como eu já estava a calcular, calhou na semana do Natal. A minha tia, que nunca conheci, foi enterrada três dias antes do Natal daquele ano.
Desde então, o meu pai nunca mais foi o mesmo no Natal. Nunca mais quis celebrá-lo e recusava-se a fazê-lo sem a irmã. Dizia que o Natal sem ela não era Natal. Não era nada. Os meus avós bem que tentaram convencê-lo do contrário, mas o meu pai nunca mais mostrou o mínimo interesse. Começou a desaparecer nessa altura e eles nunca sabiam para onde ia. O certo é que voltava são e salvo e eles nunca lhe fizeram perguntas. Respeitavam a dor dele, que também era a deles, obviamente. Afinal de contas, os meus avós eram os pais dela e também sofreram uma perda que ninguém deve passar na vida. Mas eles aguentaram o forte pelo meu pai. Pelos vistos, ele não quis saber e nunca deu valor a esse esforço.
Os meus avós explicam que teria sido fácil para eles também enveredarem pelo caminho mais negro do luto. Mas não o fizeram pelo meu pai. Queriam que ele fosse feliz apesar do que lhes tinha acontecido. Só que ele não conseguiu sair desse caminho negro. Nunca o conseguira. Todos os Natais, era para lá que ele voltava.
Vou para casa a lamentar o azar do meu pai. Imagino o quanto deve ter doído perder a irmã desta forma, principalmente uma irmã gémea e com quem partilhava tanta coisa na vida.
Falo disso com a minha mãe assim que chego a casa e ela amaldiçoa os sogros por se terem descosido, mas aceita conversar comigo sobre isso. A resposta dela, em jeito de conclusão da situação, é a mesma dos meus avós: que o meu pai volta sempre para esse caminho negro todos os Natais e nunca descobriram uma forma de o tirar de lá.
Ao que eu respondo, tendo uma ideia brilhante:
– O problema é que vocês nunca viram o problema da perspetiva certa.
– Como assim, filha?
– Vocês pensaram sempre em como o podiam tirar desse caminho negro em que ele se enfiou quando a irmã morreu, certo?
– Certo.
– Pois bem, a vossa abordagem está errada. Nós não temos de o tirar do caminho negro. Temos de o iluminar para que essa negrura desapareça.
A minha mãe fica calada e subitamente emocionada. Pergunta-me se tenho alguma ideia em mente.
Sorrio.
Claro que tenho.
Um mês depois, estamos a dois dias do Natal.
Apesar de trombudo e de ter recusado todas as nossas propostas até então para nos divertirmos, conseguimos convencer o meu pai a ir connosco ver um espetáculo único no Coliseu Comendador Rondão Almeida, em Elvas. É um espetáculo infantil que o meu irmão anseia ver há meses. Apesar de ter aceitado, o meu pai diz que só vai porque não quer que a minha mãe tenha de conduzir quase quatro horas seguidas para Elvas. Ia dividir a viagem com ela, mas depois ficaria cá fora num bar qualquer enquanto eles assistiam ao espetáculo musical.
Não é bem isso que eu quero, mas já é alguma coisa.
A viagem decorreu em silêncio. O meu pai, sempre sério e carrancudo, nunca esteve para conversas. Quando estacionamos nas imediações do Coliseu de Elvas, depois de almoçarmos rapidamente num restaurante à entrada da cidade, o meu pai diz que vai ficar ali num bar próximo, ao que eu respondo que não me importo que ele faça isso, desde que nos leve aos nossos lugares. Nunca se sabe o que pode acontecer. Está ali tanta gente…
E é verdade. Estão imensas pessoas na rua, em redor do Coliseu, ansiosas para entrar. Mas eu tenho bilhetes VIP que nos possibilitam entrar antes de todos os outros. O meu pai acredita na minha conversa e lá nos acompanha ao interior do Coliseu, onde os funcionários do local recebem-nos com muita atenção e carinho.
Antes de entrarmos no recinto do Coliseu, um dos funcionários pede para ver a identificação do meu pai e fê-lo ficar para trás enquanto leva o seu tempo a ver o cartão de cidadão. Quando termina e o deixa prosseguir caminho, já nós desaparecemos de vista. O meu pai fica confuso, sem saber para onde ir. Um funcionário muito prestável aparece ao seu lado e pergunta se pode ajudar. O meu pai mostra os bilhetes falsos e o funcionário acompanha o meu pai até chegarem a uma porta que dá acesso ao recinto. Um pouco receoso, faz força no puxador da porta e esta abre-se. Entra no recinto e fica pasmado a olhar em frente, para nós.
O que o meu pai não sabe, porque desliga sempre na altura do Natal, é que o Coliseu de Elvas alberga, desde 2009, a maior pista de gelo do país no Natal. São oitocentos metros quadrados de gelo que encantam mais de vinte mil patinadores por ano. A razão para estar tanta gente no exterior e ninguém cá dentro, é porque a pista só abre a partir das dezasseis horas. Temos quinze minutos só para nós, resultado de um acordo feito com a direção do Coliseu após um e-mail que lhes enviei semanas antes a explicar a história do meu pai e o que tencionávamos fazer: salvar este Natal. Haverá melhor altura para fazer um milagre?
E é por isso que o meu pai, ao passar a porta, depara-se com a maior pista de gelo da Península Ibérica totalmente vazia. À entrada da pista estou eu, de mãos dadas com o meu irmão, a minha mãe e os meus avós, que vieram mais cedo para prepararem tudo sem levantar suspeitas ao meu pai.
O meu pai avança sem compreender. Pergunta-me o que se está a passar e eu aponto para um quadro colocado à entrada da pista de gelo, atrás de nós. No quadro constam várias imagens do meu pai a patinar com a sua irmã em miúdos. São imagens lindas, nostálgicas, que mostram o meu pai feliz como nunca o vi. No centro do quadro está escrita uma mensagem que a minha tia terá dito ao meu pai nos seus últimos dias de vida e que foi escutado pelo meu avô, que nunca a esqueceu:
«Só vivemos uma vez, maninho. Não a desperdices com coisas fúteis e inúteis e foca-te na família. A família é o melhor que temos. Aprendi isso da pior forma, agora que me vejo sem vocês. Por favor, maninho, cria a tua família e faz dela o teu mundo. Porque tu foste o meu mundo e não podia ter sido mais feliz.»
Aproximo-me do meu pai com uma prenda embrulhada em papel vermelho com árvores de natal. O meu pai está com os olhos a brilhar e olha para mim, sem compreender nada do que se passa. Estendo-lhe o presente e ele pega nele com cuidado.
– Abre, pai.
O meu pai desembrulha o presente, avistando uma caixa de cartão. Abre a caixa e é então que vejo o meu pai chorar pela primeira vez, os olhos vermelhos e as narinas a dilatarem.
Do interior, retira duas botas para patinar no gelo. As mesmas que ele usava em miúdo, quando tinha a minha idade. Os meus avós dizem que ele não cresceu desde os catorze anos, pelos que ainda lhe deviam servir.
E servem.
De botas calçadas e de olhar incrédulo, o meu pai aproxima-se da pista de gelo que está toda iluminada com luzes brilhantes e bonitas. Entramos com ele e vejo que fica surpreendido por estarmos todos preparados para patinar. Com ele. Ao seu lado.
Ao fim de uns minutos aos círculos, decido dar-lhe a minha segunda prenda. Estendo a mão ao meu pai e ele recebe-a com hesitação. O resto da família afasta-se para nos dar espaço. Eu e o meu pai deslizamos de mãos dadas pelo gelo com calma e suavidade. Até que, de repente e sem aviso, uma música surge das colunas de som e preenche o espaço com a sua nostalgia natalícia.
É a música que até ao início deste Natal odiava ouvir, mas que agora faz o meu pai chorar por ter sido a música que ele e a irmã gémea utilizaram para dançarem na pista de gelo pela última vez. A coreografia deles começava com a minha tia a fazer uma pirueta seguida de um círculo em torno do meu pai. Largo a mão dele e executo os mesmos movimentos, como se o transportasse vinte anos no passado. Assim que termino esses movimentos e me junto a ele novamente, ele já percebeu a minha ideia e prossegue, comigo, a coreografia dele e da irmã como se nunca a tivesse deixado de treinar.
A verdade é que passei o último mês a treinar a coreografia deles através dos vídeos que os meus avós ainda tinham. E valeu a pena. A chorar como nunca o vi, o meu pai dança comigo ao som de Mariah Carey, ao mesmo tempo que as bancadas vão enchendo com as pessoas que vão patinar a seguir a nós. Eram centenas. E ficam a ver-nos dançar. No final, quando salto e continuo a dança sem nenhum percalço, para grande alívio do meu pai, as pessoas aplaudem de pé e gritam em uníssono com a música:
– All I want for Christmas is youuu!
Abraço o meu pai no final e ele agarra-me com força, bem apertada no seu peito, levantando-me do chão. O abraço fica completo a seguir, quando a minha mãe, irmão e avós se juntam a nós. Ficamos abraçados enquanto as pessoas aplaudem, cientes de que está a acontecer um momento de família muito bonito, mas sem perceberem a profundidade do que se está a passar.
Começo a chorar e olho para o rosto molhado do meu pai, que está a dizer o quanto tem saudades da irmã e como lamenta o que nos fez sofrer todos estes Natais.
Eu dou-lhe uma festinha no rosto e tento sorrir. Com aquela música ainda na minha cabeça, só penso numa coisa para lhe dizer.
– Por favor, nunca mais fujas de nós no Natal. Eu nem quero presentes nem nada disso. Quero apenas a tua presença. – Aponto para cima, a indicar a música. – Só te quero a ti para o Natal, pai. Mais nada.
Abraçamo-nos novamente com força. Nunca mais iria perder o meu pai na negrura do seu luto. Nunca mais. Iluminei-lhe o caminho para não se perder novamente.
Quando a pista começa a encher-se de patinadores entusiasmados e pouco equilibrados, passamos mais uma hora a patinar, a dar trambolhões e a rir muito uns dos outros. Como uma família normal. Nunca vi o meu pai tão feliz. Fico de coração cheio com o que vejo. Os meus avós, mais tarde, ainda emocionados, aproximam-se de mim e apertam-me com força.
– Obrigado por trazeres o teu pai de volta.
A partir desse ano, a tradição de patinarmos no gelo é retomada, para nunca mais ser quebrada. E foi assim que se deu mais um milagre de Natal.
Feliz Natal!
December 7, 2021
Conto de NatalHá quem diga que o Natal é a época mais ma...

Conto de Natal
Há quem diga que o Natal é a época mais maravilhosa do ano e, quando dezembro chega, até há quem agradeça a Deus por ser Natal novamente. Para Nico, um homem de quarenta anos, não podíamos estar mais perto da verdade.
Nico tinha um espírito alegre e adorava socializar com as pessoas. Gostava de as conhecer, de saber os seus desejos, os seus receios, o que as deixava felizes.
Nico nasceu para ser o Pai Natal.
Filho de um casal que celebrava o Natal com toda o fervor e tradição, não era de admirar que o tivessem batizado com um nome que se assemelhava ao do homem barrigudo com barba branca e roupa vermelha: Nicolau.
Os Natais de Nico em criança eram sempre maravilhosos.
A árvore de Natal era montada na manhã de 1 de Dezembro. Nico adorava abrir as caixas que continham todos os adereços natalícios. Sempre que desembrulhava uma caixa recordava-se dos anos anteriores e isso enchia-o de entusiasmo para o mês que se avizinhava. Depois de abertas as caixas, punham-se ao trabalho. Apesar de não parecer, os seus pais tinham todo um método para colocar as bolas e as fitas na árvore de forma a que, no final, ficasse deslumbrante. A Nico cabia a concretização de duas missões muito importantes: a de colocar a estrela no topo da árvore e a de acender as luzes. Quando o seu trabalho terminava, os três afastavam-se uns passos e, de braços cruzados, apreciavam a vista. Era naquele momento, com a árvore colorida e iluminada, que Nico acreditava na magia e no poder do Natal. Eles até fechavam as cortinas para que o brilho da árvore fosse resplandecente e magnífico. Quando era muito pequenino, a sua mãe pegava-lhe ao colo enquanto admiravam a árvore. Ali, agarrado à sua mãe com os seus braços a envolverem-no, era quando sentia que a vida era perfeita. Ali, no conforto do abraço e do amor do seu lar.
A vida era sempre perfeita no Natal.
Após o almoço do dia 1, iam sempre para a baixa de Lisboa passear pelas ruas cheias de pessoas agasalhadas e nitidamente felizes pela época natalícia. Lanchavam num café algures até que, ao anoitecer, ocorria outro grande momento que o marcava sempre: o acender das luzes de Natal. Nico ficava de coração cheio ao passear pelas ruas iluminadas, de mãos dadas com os pais e a ser envolvido pelo Natal através das luzes, das pessoas e dos cheiros que tanto caracterizavam a cidade no último mês do ano. Era simplesmente esplêndido.
Outra tradição que o empolgava imenso começara como um desafio do seu pai quando era criança.
- Nico, vou fazer-te um desafio.
- Qual, papá?
O pai, agachado ao lado do filho, lançou um olhar às pessoas que o rodeavam.
- Deseja “Feliz Natal” ao maior número de pessoas que conseguires.
- A todas as pessoas?
- Às que passarem por nós.
- Mas porquê, papá?
- Já vais perceber, filho.
Receoso, Nico foi desejando “Feliz Natal” a quem passasse por eles. Inicialmente, dizia de forma envergonhada e poucos eram os que o ouviam. Mas os que ele conseguia captar a atenção abriam-se num sorriso e retribuíam a felicitação com ternura. Afinal de contas, Nico era um menino rechonchudo com um rosto querido e ainda com laivos de bebé. Nico foi ganhando confiança até que, às páginas tantas, saltitava entre as pessoas a gritar “Feliz Natal”. Todas elas felicitavam-no de volta e foi assim que Nico percebeu como o espírito natalício era verdadeiro e moldava as pessoas para serem mais altruístas, generosas e simpáticas. Era fantástico! Ainda assim, levantava uma questão: Por que razão as pessoas não eram assim tão bondosas o ano inteiro?
Embebido em tanta magia natalícia desde sempre, não foi de admirar que, a partir dos seus 30 anos, fizesse questão de ter um part-time digno de fazer os seus pais orgulhosos: era o Pai Natal num centro comercial. Todos os anos, existia uma pequena vila de natal numa das principais praças do centro comercial. Esta continha bastantes atrações natalícias. A principal, claro, era o homem barrigudo e barbudo, vestido de vermelho e branco, sentado numa poltrona digna do seu estatuto de difusor de magia e alegria. Era uma figura do imaginário infantil e juvenil mas por quem todos os adultos sentiam sempre um carinho muito especial.
Quando Nico começara a sua tradição de ser o Pai Natal, fizera-o com todo o entusiasmo e alegria que se pedia à figura que representava. Durante várias semanas, passava horas sentado a receber crianças no seu colo e a ouvir os seus desejos e a tirar a cada vez mais exigente e obrigatória fotografia. Quando não estava na poltrona, Nico passeava-se pelo centro comercial a espalhar sorrisos pelas pessoas com as suas brincadeiras. Era, realmente, a época mais maravilhosa do ano.
Exceto este ano.
Este ano, Nico não sentia essa mesma energia. Não sentia aquela atração orgânica que o fazia sentir a necessidade de ser o Pai Natal. Não sabia como ia dizer aos seus pais que este ano não iria cumprir a sua tradição. Este ano, não.
E porque não?, perguntariam eles.
Nem Nico sabia o que responder. A verdade é que estava cansado do materialismo impingido nas crianças. Nos adultos, era normal. Já fizera as pazes com isso. Mas não com as crianças. As crianças não. Como era possível que todas as crianças que passavam pelo colo a pedir prendas de Natal, só soubessem pedir consolas, jogos e telemóveis? Ao menos que pedissem um livro ou um brinquedo mais didático de vez em quando, mas não. O principal e quase único pedido era sempre o maldito telemóvel. Algumas eram más ao ponto de o chantagearem. Afirmavam que se não recebessem o telemóvel ou o jogo, que se portavam ainda pior e a culpa seria dele.
Mesmo nos seus passeios com a vestimenta Natalícia, via crianças a berrar e a chorar lágrimas forçadas por não terem o que queriam.
Meu Deus, teria Nico envelhecido assim tanto? Desde quando é que as crianças se tinham tornado assim? Onde estavam as outras crianças que queriam ter amigos ou irmãos para brincarem? Ou que queriam ser como este ou aquele ídolo?
Apesar da sua vontade, não conseguiu dizer que não quando o seu pai lhe ligou a perguntar quando voltaria a ser o Pai Natal. Por isso, em Dezembro, lá foi Nico ouvir os desejos das crianças, disfarçados de ordens e imposições arrogantes. Nico limitava-se a abanar a cabeça e a dizer: "Sim, menino, vou trabalhar nas tuas prendas com os meus amigos elfos. Agora, porta-te bem!".
Já não era a mesma coisa. A chama ardente do Natal era, agora, uma pequeníssima labareda. No entanto, ele sabia que bastaria um pequeno sopro para a chama se propagar e aumentar de tamanho novamente. Mas seria preciso um milagre para tal acontecer, tendo em conta o que mudara na última década em termos da arrogância e exigências das crianças.
Contra todas as expetativas, o seu milagre aconteceu num dos seus passeios, já Dezembro ia adiantado. Estava Nico a passear pela rua, do lado de fora do centro comercial, um pouco cansado pela atenção que dera a tantas crianças que o exasperaram profundamente, quando sentiu um puxão na sua manga felpuda.
Nico parou. Olhou para baixo.
Uma criança pequena, com cerca de sete anos, olhava para si com um ar envergonhado e, de certa forma, surpreendido. Era uma menina bonita, que tinha umas tranças longas e um gorro vermelho. Os seus lábios estavam abertos de surpresa e emoção. Nico conhecia aquele olhar, mas já não o via há dois ou três anos. Era um olhar de quem encontrava alguém que adorava imenso. A menina estava embasbacada por ver Nico, o Pai Natal.
- Pai Natal, és tu?
Nico olhou à volta, à espera de encontrar os pais da criança. Mas não viu ninguém.
- Sim, sou eu mesmo. Em carne e osso! Oh oh oh!
Nico tentara impregnar a sua voz com entusiasmo, mas falhara . O dia já ia longo e estava sem grande vontade de celebrar o Natal com pessoas que não conhecia. Só o desiludiam.
- Estás triste, Pai Natal?
Nico agachou-se e encarou a menina nos olhos. Ela parecia genuinamente confusa por ver o Pai Natal triste. Era algo inconcebível.
- Um bocadinho. Sabes como é, muito trabalho. Há muitas crianças a quererem prendas e eu tenho de as fazer todas.
- Os elfos não te ajudam?
- Ajudam, mas eu faço a maior parte do trabalho.
- Recebeste a minha carta, Pai Natal?
- A tua carta?
- Sim, a que escrevemos na escola. Eu escrevi uma carta com os meus desejos. A nossa professora disse-nos que tínhamos três desejos. Se calhar por isso é que tens tanto trabalho. Se cada menino pedir três desejos, são muitos mesmo. Não tens tempo para isso tudo. Mas eu posso ajudar-te, Pai Natal.
Nico sorriu. Passou a mão pelo cabelo da rapariga.
- Deixa-me adivinhar: pediste um telemóvel, uma consola de jogos e um jogo ou um computador? Talvez um tablet. Acertei?
A menina parecia não compreender. Franziu a testa e abanou a cabeça.
- Não. Não pedi nada disso.
Nico ficou intrigado.
- A sério?
- A sério, Pai Natal.
- Então, conta lá o que me pediste?
- Mas não viste a minha carta?
- Ainda não, mas de certeza que um dos elfos ma vai entregar hoje. Diz-me lá: o que pediste?
- Pedi só um desejo - indicou, mostrando um dedinho.
- Só um? Então e os outros dois?
- Só tinha uma coisa que queria. Não sei o que pedir mais. Mas agora já sei.
- Sabes? O que é?
- O meu segundo desejo vai ser que o Pai Natal seja feliz e que faça os outros felizes. Sem ti não há Natal, tens de estar animado.
Nico riu-se para não chorar.
- És muito atenciosa, menina. Como te chamas?
- Carolina.
- És uma menina muito especial, Carolina. Obrigado.
Nico abraçou a rapariga e sentiu-se emocionar.
- E qual foi o teu primeiro desejo?
A menina olhou para trás e disse adeus a alguém. Nico seguiu a direção do olhar da criança e viu um homem da sua idade a acenar de volta e a caminhar na direção deles.
- O meu desejo é que a minha mãe passe o Natal connosco.
Ao ver o pai da menina com um sorriso de quem pede desculpa por a filha o estar a incomodar, Nico sentiu as lágrimas surgirem.
- Vamos, Carolina.
- Sim, papá. Adeus, Pai Natal.
Nico ficou a vê-los afastarem-se, pai e filha de mãos dadas rumo a um Natal sem a mãe.
Num impulso, caminhou atrás deles. Tinha de saber a extensão do pedido da menina. Que quereria ela dizer com aquele desejo? Estaria a mãe dela...?
Não podia pensar nisso.
Caminhou atrás deles até ao parque de estacionamento. Aí, ao vê-los entrar no carro, decidiu segui-los de táxi. Entrou no primeiro que apareceu e tirou as suas vestimentas no veículo enquanto executava a perseguição. Aquela miúda era especial. Era uma raridade. Nico sentia uma necessidade tremenda de a ajudar. Só não sabia como.
Ao pararem perto de um cemitério, o coração de Nico estacou. O carro onde eles iam foi estacionado e saíram calmamente. Encararam o cemitério. Nico mandou o táxi parar a uma distância segura e saiu, a sua roupa de Natal num saco que trazia sempre consigo.
Ao longe, Carolina e o pai ajeitaram os casacos e atravessaram a rua.
Para longe do cemitério.
Mais aliviado, Nico continuou a segui-los por umas ruas até pararem no destino. Foi então que o Pai Natal percebeu tudo.
Nico regressou a casa, nessa noite, e delineou um plano para a noite de Natal. Tinha de resultar.
No início da noite de 24, Nico abandonou o seu posto de Pai Natal e trocou de roupa. Saiu do centro comercial e foi para a zona onde seguira a rapariga no outro dia. Chegou a uma praça de táxis e aguardou um pouco. Depois de esperar que alguns táxis seguissem caminho com os respetivos clientes, entrou no próximo da fila.
Sentou-se no banco de trás. Colocou o saco com a roupa do Pai Natal ao seu lado e sorriu para a condutora, que o olhava pelo retrovisor, claramente aborrecida por trabalhar na noite de Natal.
- Boa noite.
- Boa noite, senhor. Para onde é a viagem?
Nico deu-lhe a morada e não pôde deixar de reparar na surpresa contida da condutora. Mas ela manteve o seu ar profissional e não comentou.
Seguiram caminho.
- Então, a trabalhar na noite de Natal?
A mulher, da idade de Nico, encolheu os ombros como quem diz que estava resignada.
- Este ano teve de ser. Preciso mesmo do dinheiro. A minha filha entrou na escola o ano passado e são muitas despesas. Todo o dinheiro é bem-vindo.
- Pois, não se pode dar ao luxo de não trabalhar.
- Exatamente. E o senhor, tem filhos?
- Não. Eu e a minha namorada, com quem vivo em união de facto, estamos a tentar há um ano e até agora ainda nada. Mas não temos pressa.
- Isso não o preocupa?
- Claro que estou um pouco ansioso por ser pai, mas tenho a certeza que vai correr tudo bem. E a sua filha, é uma boa rapariga?
A mulher assentiu e o seu olhar brilhou tanto como as luzes de Natal.
- É uma menina maravilhosa. Tive muita sorte.
- É pena não passarem o Natal juntos.
Ela pareceu ficar emocionada e não disse mais nada. Nico podia ver que lhe custava muito ficar longe da filha. Decidiu não insistir.
Ao chegarem à rua que Nico fornecera como destino, a mulher encostou o carro à berma e parou, pronta para cobrar pelo trabalho. Reparou como o olhar escapou para um determinado apartamento.
- Preferia se estacionasse o táxi, por favor. Ali está um lugar vazio.
A mulher ficou alarmada. Provavelmente estaria a pensar que ele lhe queria fazer mal ou algo do género. Nico abriu os braços, como que se rendendo.
- Por favor, confie em mim.
A mulher estacionou o táxi e desligou o motor. Disse o preço a Nico e este estendeu-lhe uma mão cheia de notas chorudas. A mulher abriu os olhos e encarou Nico com surpresa. Não acreditava no que via.
- Que é isso, senhor? Isso é bem mais do que lhe disse.
- Quantas horas de trabalho teria de fazer para ganhar este valor?
A mulher estava nitidamente confusa, mas começou a contar o dinheiro que Nico lhe deu e fez as contas.
- Este dinheiro dá para umas sete ou oito horas, à vontade. Mas por que é que...?
Nico apontou para aquele que sabia ser o prédio onde a mulher morava.
- A Carolina e o seu marido estão à sua espera para celebrar o Natal. Aproveite. Feliz Natal.
A mulher olhou para a janela da sua sala. Eram visíveis as luzes da árvore de Natal a piscar, animadas. O chamamento do calor e amor da família era forte. Irresistível. A mulher começou a chorar. Não acreditava na sorte que tivera. A bondade daquele homem era inacreditável. Tinha-lhe pago as horas de trabalho para que pudesse passar tempo com a sua família. Já imaginava os braços pequeninos de Carolina à volta do seu pescoço, a sua risada fofinha e querida, quando se virou para trás.
- Mas eu não posso aceitar... - Começou por dizer, parando ao constatar que estava sozinha no táxi.
O homem tinha ido embora.
O dinheiro estava na sua mão.
A sua família ali perto.
A mulher tomou a decisão e saiu do veículo. Sem contar a felicidade, correu para casa, para os braços do marido e para a alegria da filha, que não parava de dizer que o seu desejo de Natal se tinha realizado. Era tudo perfeito. No entanto, quando a noite acalmou um pouco, a menina recordou-se de algo.
- Ainda me falta um desejo... Eu pedi dois desejos mas só um é que se realizou. - Disse a menina para os pais. Olhou para eles com um ar implorante.
Os pais entreolharam-se durante uns momentos. Depois, sorriram e assentiram.
Nico chegou a casa e passou um Natal extraordinário com a sua família. Tinha o coração quente pela felicidade que proporcionara a uma criança que era uma raridade nos tempos que corriam. O coração de Carolina ainda era puro, como deveria ser o coração de todas as crianças. Nico esperava que, quando tivesse um filho, também ele fosse assim. Pelo menos, Nico iria tentar passar a mensagem de bondade, altruísmo e simpatia em que ele tanto acreditava.
Mas, actualmente, havia pouco disso.
Ou será que Nico estava enganado?
No dia 25, dia de Natal, Nico ia trabalhar algumas horas antes do jantar para entreter as pessoas que fossem passear no centro comercial.
Estava Nico no seu vestiário a preparar-se quando um colega surgiu bastante afogueado.
- Que se passa, homem? Estás aí todo ofegante. Há algum incêndio ou quê?
- Tens que ver isto. Veste-te! Vamos!
Surpreso, Nico, já transformado em Pai Natal, caminhou para a praça principal. Antes de dobrar a última esquina, notou um certo burburinho que se sobrepunha à música ambiente natalícia que se espalhava por todo o centro comercial.
Ao virar a esquina, deparou-se com a sua vila de Natal completamente lotada. Nem conseguia ver a sua poltrona. Centenas de pessoas vestidas com roupas e adereços alusivos ao Natal encontravam-se em plena cavaqueira, com uma alegria deslumbrante.
Nico caminhou de forma insegura, incerto sobre o que se estava a passar. Quando se aproximou da multidão, as pessoas começaram a bater palmas e a gritar "Feliz Natal!" a plenos pulmões. Nico acenou e continuou a caminhar para a sua poltrona. Um corredor humano abriu-se no meio, recheado de rostos felizes e de aplausos. No final do corredor, ao pé da sua poltrona, estava uma menina com os seus pais. Nico reconheceu-os de imediato.
- Olá, Carolina.
- Olá, Pai Natal! Feliz Natal!
Nico estava sem reação. Sentia o seu fato a escaldar por toda a atenção a que estava a ser alvo. Aquilo era inacreditável.
- O que se passa aqui?
Foi a mãe de Carolina quem respondeu.
- Pelos vistos, o Pai Natal ajudou a minha filha a realizar o seu desejo de Natal. Mas a verdade é que ela tinha mais um desejo.
Nico olhou para a menina, que tinha uns olhos brilhantes de alegria. Agachou-se e abraçou-a com força. Muita força mesmo. Aquela era definitivamente uma menina muito especial.
- Fazer o Pai Natal feliz... - Murmurou Nico, recordando-se do segundo desejo.
Voltou a erguer-se e sentiu a emoção a picar-lhe por trás dos olhos.
A mãe do rapaz voltou a falar, toda ela emocionada:
- Você ajudou a Carolina a realizar o primeiro desejo e nós... - Abriu os braços de forma a abarcar toda a vila do Natal. - Nós vamos realizar o segundo. Feliz Natal!
De imediato, Nico começou a ser abraçado por crianças de todos os lados. Cada uma agradecia a ajuda e desejava-lhe um Feliz Natal. Ele não tinha mãos para tanta gente. Tantas mãozinhas pequeninas a agarrarem a sua roupa, a querer um pouco do Pai Natal para si, para lhe dar um beijinho ou um abraço. Era incrível.
Nico reparou, então, que as crianças tinham um presente na mão.
- Não vão abrir o vosso presente?
- Não, Pai Natal. Estas prendas são para os meninos que não conseguem ter prendas. - Respondeu um menino, levando o seu presente e colocando-o junto de um monte gigante de caixas embrulhadas com prendas.
- Estamos a fazer uma recolha para fins solidários. - Concluiu um dos pais.
Carolina voltou a aparecer e disse:
- Estamos a ajudar outras crianças por ti, Pai Natal. Para veres que as crianças não querem só coisas para si mesmas. Também sabemos ajudar os outros!
Nico sentiu-se pequeno e humilde por tamanha homenagem. Pegou em Carolina ao colo e virou-se para a sua poltrona, para assumir a sua posição como Pai Natal. No entanto, parou o movimento ao reparar num cartaz enorme colocado por cima, todo ele pintado e feito à mão pelas crianças. A mensagem era linda:
"Obrigado por tornares o nosso Natal mágico!".
Nico começou a chorar e caminhou para a sua poltrona. Quando se ia sentar, viu uma pequena caixa embrulhada no assento. Pegou no embrulho e, com a ajuda de Carolina ao seu colo, rasgou o papel sem sequer pensar no que poderia ser, tal era o seu estado de surpresa. Abriu a caixa e o que avistou deixou-o sem forças. Literalmente. Teve de se sentar para não cair. Pousou Carolina no chão e, com as mãos a tremer, tirou o conteúdo da caixa. O queixo caiu, os olhos esbugalharam-se. A incredulidade era enorme, apenas suplantada pela felicidade do que estava a ver.
Na mão de Nico estava uma farda de Pai Natal. Uma farda muito especial, que o emocionara e alegrara como há muito não acontecia.
Podia ser uma farda como outra qualquer, não fosse o tamanho.
Era do tamanho de um bebé.
Chocado pela revelação, Nico levantou-se e olhou à volta. Então, avistou a namorada a aproximar-se de si, de lágrimas nos olhos e com as mãos a tapar parte do rosto perante tamanha emoção da revelação da gravidez. Nico correu para ela e abraçou-a. Com muito amor. Acabara de saber que ela estava grávida. Ele ia ser pai!
Rodopiaram de felicidade entre os aplausos e exclamações alegres da multidão. Nico queria muito beijar a namorada, mas não quis tirar a barba falsa para não estragar a magia às crianças que o continuavam a rodear e que acreditavam nele. Havia prioridades.
Foi assim que uma boa ação de intenções puras e altruístas desencadeou um rol de energia positiva que gerou a verdadeira magia do Natal, algo que Nico tanto procurava e que tardava em aparecer nos tempos que corriam.
Sem que nada o fizesse prever, Nico conseguiu ter o melhor Natal de todos os tempos.
FELIZ NATAL A TODOS!
November 30, 2021
Conto de NatalQual é o verdadeiro significado do Natal?Es...

Conto de Natal
Qual é o verdadeiro significado do Natal?
Este era o primeiro Natal que o senhor Esteves ia celebrar após o falecimento da sua esposa, a sua muito amada Maria, e essa era uma pergunta que ele fazia desde que as ruas ficaram iluminadas e cheias daquele calor natalício que atraía tantas pessoas desde os finais de Novembro. O senhor Esteves tinha quase oitenta anos, mas ainda mantinha em funcionamento uma loja de filatelia, resultado da enorme paixão que ele e a sua esposa nutriram desde muito novos. Coleccionar selos, e moedas também, era mais do que um hobby para eles, era a motivação que precisavam para viajar e para explorar o mundo, sempre com o intuito de coleccionarem selos e moedas. O que lhe rendeu, ainda, tantas histórias para contar a quem o quisesse ouvir. Porém, ninguém queria saber das histórias de velhos que juntavam selos e moedas do mundo inteiro.
O senhor Esteves fechou a sua loja com uma onda de tristeza e melancolia a envolvê-lo. Naquele dia não tivera praticamente movimento nenhum na loja. Era dia 24 de Dezembro, véspera de Natal. Ia fazer um ano do falecimento da sua esposa e toda a época festiva perdera o seu significado. Com a ausência da sua amada com quem partilhara tanto na vida, pôde olhar de uma outra forma para o Natal, de uma forma mais imparcial, como se visse o mundo de longe e coubesse a si avaliá-lo.
O que viu nestas semanas não o deixou nada animado. Muito pelo contrário, deixou-o frustrado.
Por onde andasse, por onde olhasse, que notícias visse, o resultado era sempre o mesmo: pessoas a fazer compras, a comprar prendas de Natal, a comprar doces típicos do Natal, anúncios por todo o lado para brinquedos, perfumes e iguarias natalícias. Só se falava de valores e dinheiro.
Dinheiro, dinheiro, dinheiro.
O Natal era cada vez mais, pura e simplesmente, uma oportunidade de negócio. Curiosamente, até era antecedida pela tal Black Friday, como se esse dia inaugurasse as hostilidades económicas e lançasse as pessoas nesta senda gastadora. Ninguém queria saber de Jesus, queriam era ter a Árvore de Natal mais bonita para porem nas redes sociais, queriam era comprar os melhores presentes para agradarem às crianças, ainda que estas desprezassem cada vez mais as prendas que lhes eram dadas. Que criança dava mais do que dez minutos de atenção a um brinquedo novo, nestes dias? Impossível, tendo em conta os trezentos presentes que recebem no dia 25.
O senhor Esteves suspirou, indignado com os seus pensamentos. O Natal não era suposto ser assim. Não era disto que ele se lembrava. Seria apenas da falta da sua esposa, ou teria sido sempre assim, mas só agora é que conseguia ver com clareza?
Fechou bem o casaco, cruzando os braços no peito para enfrentar as temperaturas baixíssimas que estavam no exterior e andou pelas ruas da Baixa, que estavam a abarrotar de pessoas que ultimavam os preparativos para a consoada.
O senhor Esteves sempre acreditara na magia do Natal, mas era difícil quando se estava sozinho, com a sua mulher enterrada. Recusara terminantemente os convites da família, afirmando que precisava de passar estas festividades sozinho, não tinha cabeça para grandes confusões e multidões. A família insistira e insistira durante semanas, até que acabaram por desistir. O senhor Esteves tinha cinco filhos, bastantes netos e cada vez mais bisnetos, mas dois dos seus filhos viviam do outro lado do mundo, um na Austrália e outro no Japão. Raramente os via e quase nunca passavam o Natal juntos. A sua quarta bisneta, curiosamente a primeira menina dessa geração na família, estava para nascer nestes dias, mas ainda não soubera de nada. Provavelmente andavam todos demasiado ocupados para si, mas o senhor Esteves compreendia. A vida era mesmo assim.
Desceu as escadas para o Metro de Lisboa e aguardou, no meio de centenas de pessoas, que chegasse uma composição que o levasse para o seu destino. Enlatado, farto de estar no meio de tanta gente, conseguiu chegar ao destino, todo descomposto da confusão, mas lá se arranjou enquanto voltava a subir as escadas para o exterior, saindo da “caverna do monstro”, como ele costumava referir-se ao Metro. Caminhava cabisbaixo, a querer apenas chegar a casa, vestir o seu pijama polar e sentar-se no sofá até adormecer ao pé do aquecedor, que fazia as vezes da lareira por lhe trazer memórias que eram lindíssimas e perfeitas, mas que agora lhe davam tanta dor. Ficar ao pé da lareira, a ver um filme ou a ler um livro, era uma imagem de marca do casal Esteves ao longo de décadas. Agora, ele queria apenas ficar confortável e esquecer que existia.
Ao subir os degraus do seu prédio até ao segundo andar, pensava em como o tempo passava depressa. Ia fazer um ano da morte da esposa. Um ano. Onde raio se metera esse ano? Como é que já estavam outra vez no Natal? Como é que o tempo passava por nós a uma velocidade tão grande? Como podia o tempo ser tão maldoso ao ponto de não nos deixar viver em paz, com calma?
Foi com estes pensamentos que pegou na sua chave e a enfiou na fechadura.
Só que a chave não entrou.
Erguendo as sobrancelhas de espanto, o senhor Esteves voltou a enfiar a chave. Não entrava, ficava-se pela metade. A chave simplesmente não entrava na fechadura. Teria a chave errada? Não, estava certa, sempre fora aquela chave. Que raio se passava?
Ligou a luz do prédio, algo que evitava fazer desde há várias décadas porque sabia perfeitamente de cor todos os passos e movimentos necessários para entrar em casa. Com o hall agora iluminado, algo captou a sua atenção, como a Estrela de Belém terá captado a atenção dos Três Reis Magos. Um envelope estava colado com adesivo à sua porta, acima do olho mágico. O senhor Esteves retirou o envelope e abriu-o. Uma folha encontrava-se no interior: “Querido Adérito Esteves, ouvi dizer que deixaste de acreditar no Natal. Logo tu, que sempre incentivaste as pessoas a celebrarem o Natal e impulsionaste sempre toda a tua família a viver a magia natalícia. Pois bem, cabe-me a mim, agora, restaurar essa crença e lembrar-te do que significa realmente o Natal. E não, não estou a falar do nascimento do menino Jesus ou das prendas. Estou a falar do verdadeiro significado, o mais profundo. Para te relembrares tens de te dirigir à seguinte morada”. Embasbacado e sem perceber, o senhor Esteves leu a morada e reconheceu o local. Mas quem teria feito aquilo? Pelo estilo do discurso, parecia ser o próprio Pai Natal. O senhor Esteves abanou a cabeça. O Pai Natal? Que estupidez. Ele não existe. Voltou a ler a carta e a morada. Tentou novamente a fechadura e mais uma vez não conseguiu. Resignado, voltou a descer as escadas e saiu do prédio, a caminho da morada indicada pelo Pai Na… er… pela carta. Isso, pela carta que alguém real colara na sua porta.
Era uma caminhada de dez minutos.
Curiosamente, esses dez minutos pareceram uma eternidade perante as dúvidas e suspeitas que lhe inundavam o espírito. O destino era um restaurante que estava fechado até final do ano, segundo um papel na janela. Voltou a ler a morada e confirmou que estava no sítio certo. Aproximou-se da porta e então reparou numa nota colada no vidro.
“Se queres acreditar no Natal, entra. Entra e sê feliz.”
Por baixo, estava uma sequência de fotografias de imensos natais em que apareciam ele e a sua esposa vestidos a rigor, com camisolas alusivas ao Natal, como era a tradição deles. Com lágrimas a formarem-se, o senhor Esteves empurrou a porta e entrou na escuridão. Com o coração a bater-lhe com força na garganta e nos ouvidos perante tanto silêncio, fechou a porta atrás de si e deu dois passos em frente.
E aguardou.
Ao fim de uns segundos, sentiu-se estúpido. Que estava ele a fazer ali? Por que motivo seguira aquela carta?
Foi então que a luz do restaurante se acendeu e afastou a escuridão de uma vez. O que viu deixou-o sem forças nas pernas.
Toda a sua família, incluindo os dois filhos do outro lado do mundo e as respectivas mulheres e filhos, estavam de pé, à sua frente. Estavam todos vestidos com camisolas alusivas ao Natal, iguais às que o senhor Esteves e a sua Maria tanto adoravam vestir. Até os seus bisnetos ainda bebés usavam pequenas camisolas de malha de Natal. A sua família era linda e bastante numerosa. Entre filhos, netos e bisnetos ultrapassava as cinco dezenas. Com os olhos a encherem-se de lágrimas, reparou que por trás da sua família estava uma mesa gigante, toda ela composta e pronta para a consoada, a celebração do Natal.
Comovido, o senhor Esteves começou a chorar e lembrou-se da sua esposa, de como eles adoravam ter a família lá, como sabiam que por muito tempo que ficassem sem ver alguns dos seus filhos ou sobrinhos ou primos, que era nesta época que os revia a todos. Os seus filhos avançaram para si, os cinco, e abraçaram-no com força, com carinho, com amor.
O senhor Esteves foi invadido por um calor, por uma comoção tão grande que não aguentou mais e apertou os seus filhos contra si, chorando a perda da sua esposa como nunca o fizera.
— Desculpem. Desculpem por ter recusado os vossos convites. Não o devia ter feito, meus filhos. Desculpem…
Seguiram-se abraços ao resto da família, incluindo e destacando-se, obviamente, os seus vários netos, já homens e mulheres feitas, e os seus bisnetos, ainda muito pequeninos. Do meio de tantos abraços, foi o abraço mais pequenino que o surpreendeu.
— É a tua mais recente bisneta, avô.
O senhor Esteves olhou para a recém-nascida. Era uma menina e tinha nascido há uns dias. Tinha acabado de chegar a este mundo e era linda.
— Chama-se Maria.
Maria. O nome da sua esposa.
— Vocês querem é ver-me chorar, só pode!
E assim pegou na mais recente adição da sua família que tinha o nome da sua esposa. Maria. Olhou-a nos olhos e ela sorriu. Era o sorriso mais doce do mundo. Aproximou a Maria de si e abraçou-a com toda a ternura que um bisavô pode ter pela sua bisneta.
E foi então que o senhor Esteves compreendeu novamente o significado do Natal.
O Natal era muito mais do que comprar prendas, andar a correr de um lado para o outro para tentar o melhor negócio, de fazer doces e mais doces só porque sim.
O Natal era uma época para se estar com quem mais se ama neste mundo, para sentir aquele calor humano, aquele amor e carinho que nos junta em torno de uma mesa, ao pé de uma lareira. É o momento perfeito para renovar a ajuda aos mais necessitados, embora isso devesse ser feito o ano inteiro. É um feriado para reencontros, para estar em família, para mostrar o quanto gostamos uns dos outros. As prendas são um elemento engraçado, mas não passa de algo acessório. Nunca valerá a pena haver chatices por presentes. Muitas famílias, incluindo esta, daria tudo para ter Maria ali com eles. E certamente que abdicariam de todos os presentes do mundo para a terem novamente a celebrar o Natal e o amor.
Depois de vestir uma camisola natalícia que um dos netos lhe ofereceu, o senhor Esteves entrou no espírito e nunca mais de lá saiu.
— Como é que vocês mudaram a minha fechadura de casa? — perguntou, enquanto brincava com a sua bisneta e se divertia e todo o restaurante era uma algazarra feliz e animada.
Os seus filhos entreolharam-se, confusos.
— Do que estás a falar, pai?
— Da fechadura da minha casa. Qual de vocês a mudou?
Mais uma troca de olhares confusa e interrogativa.
— Ninguém, pai… Ninguém mexeu na tua fechadura.
O senhor Esteves ficou perplexo. Se tivesse conseguido abrir a sua porta de casa nunca teria visto a carta porque ele nunca acendia a luz. Seria possível… Não. Não podia ser.
O certo é que, mais tarde, bem mais tarde, já na madrugada de Natal, quando o senhor Esteves voltou a casa e colocou a chave na fechadura, ficou abismado.
A chave entrou na perfeição.
A porta abriu-se sem qualquer problema. E um muito confuso, mas extremamente feliz, senhor Esteves regressou a casa com o coração cheio de amor, carinho e muita felicidade pela família que tinha. Esse era o verdadeiro significado do Natal: o amor pela família e amigos, que mais não são do que a família que escolhemos para a vida.
Mais tarde, ninguém se iria recordar dos presentes que receberam ou deram nesse dia. O que iriam recordar era a felicidade e harmonia com que passaram aquela noite todos juntos. Em família. E o senhor Esteves nunca mais deixou de acreditar no Natal.
Feliz Natal a todos!
August 25, 2021
Queridos leitores, marquem na vossa agenda: 29 de agosto ...

Queridos leitores, marquem na vossa agenda: 29 de agosto das 17h às 18h irei estar no Pavilhão da Cultura Editora para uma sessão de autógrafos.
Será um prazer enorme autografar os vossos exemplares!
Se o vosso já estiver assinado, apareçam na mesma para tirarmos uma fotografia e dois dedos de conversa. Vamos celebrar a segunda edição do SEGREDO MORTAL na Feira do Livro de Lisboa? Conto com a vossa presença?OBRIGADO.
August 19, 2021
"SEGREDO MORTAL" AVANÇA PARA A SEGUNDA EDIÇÃO.É com enorm...

"SEGREDO MORTAL" AVANÇA PARA A SEGUNDA EDIÇÃO.
É com enorme orgulho que vos apresento a 2ª Edição do "Segredo Mortal".
Chegar até aqui não foi nada fácil. Tive de batalhar muito, sofrer muito e, acima de tudo, nunca desistir. Hoje, vejo todo o esforço dos últimos anos a ser recompensado com a segunda edição do livro, que é uma prova mais do que suficiente para mostrar como o "Segredo Mortal" está a ter sucesso.
Mas isto só é possível graças a todos os leitores que já desvendaram o segredo e que apoiaram este livro de uma forma linda e brilhante. Obrigado por todo apoio e divulgação. Tenho os melhores leitores do mundo! Um agradecimento especial a todos os livreiros que recomendaram o "Segredo Mortal" aos clientes e que foram determinantes para o sucesso do livro e para a concretização desta segunda edição.
Obrigado à minha editora, Cultura Editora, por ter tornado este sonho realidade da melhor forma possível, com todo o profissionalismo conjugado com boa disposição que me deixam sempre muito confortável e motivado para continuar. Obrigado a todas as pessoas que sempre acreditaram em mim, nomeadamente os amigos mais chegados, a minha família, a minha irmã, o meu pai e a minha esposa. Obrigado por tudo.
Vamos continuar a espalhar este segredo pelo país para que outras pessoas o possam desvendar?
OBRIGADO.
March 22, 2021
TRAILER FINAL | "SEGREDO MORTAL"Booktrailer de "SEGREDO M...
Booktrailer de "SEGREDO MORTAL". Nas livrarias a 25 de março de 2021. UM PROJETO SECRETO. UM ASSASSINO CONTRATADO. UM HOMEM ACUSADO DE CRIMES QUE NÃO COMETEU.
March 15, 2021
Mini-trailer | "SEGREDO MORTAL"Em breve, o segredo será r...
Em breve, o segredo será revelado. "Segredo Mortal" nas livrarias a 25 de março.
Pré-venda no site da Cultura Editora com direito a dedicatória personalizada:
https://culturaeditora.pt/products/segredo-mortal
Boas leituras!
Bruno M. Franco