Conversa com um autor humano

Em janeiro de 2023 o escritor J.P. Cuenca publicou o resultado da escrita em progresso de um romance com auxílio da Inteligência Artificial ChatGPT. No mesmo período, fiz algumas perguntas para a IA e o resultado foi publicado no suplemento Ilustríssima da Folha de S.Paulo. Infelizmente, por questão de espaço, as respostas às perguntas que fiz a Cuenca não entraram no artigo. Publico-as aqui em agradecimento por sua disponibilidade e também como registro de sua percepção acerca da interação com a IA. 

1. Quais os limites que você percebeu na interação?

O principal limite é a timidez. Para escrever ficção e tomar decisões concretas sobre o texto que estamos escrevendo, a ChatGPT é profundamente modesta. Ela fica tirando o corpo (!) fora o tempo inteiro. É preciso insistir e, às vezes de forma meio oblíqua, obrigá-la a criar desavergonhadamente. O papel para o qual ela foi treinada é mais de consultoria que de criação. Mas até esse caráter, a depender da história, pode ser um charme. Na ficção que estou produzindo com ela, esse embate fica claro. 

2. Essa AI pode substituir um escritor humano? Se sim, que tipo de escritor?

Com certeza. Com o treinamento e tempo devidos, a IA poderá substituir boa parte dos escritores humanos. Os carreiristas que escrevem textos baseados em demandas do mercado editorial, seguem igrejinhas teóricas ou produzem panfletos que seguem as altas de capital simbólico poderão ser, em breve, totalmente substituídos por máquinas. Scouts, agentes e editores alimentarão, em algum subsolo de Frankfurt, bancos de dados e algorítmos para criar as próximas sensações globais, livros que no prelo já tem edições vendidas para dúzias de países etc. Do meu ponto de vista, não vai fazer nenhuma diferença. Ou talvez esses textos sejam até menos robóticos e mais inspirados do que boa parte dessa produção atual. De qualquer forma, meu objetivo ao jogar com a IA é outro: mais um experimento para entortar novos procedimentos que a busca de qualquer tipo de adequação mercadológica, mais o ruído que o gosto comum.

3. Mas você se sentiu à vontade servindo de cobaia, ou ensinando, uma AI que posteriormente será monetizada?

Eu não me sinto à vontade nem dormindo… Mas meu interesse em experimentar esse tipo de ferramenta é maior que qualquer desconforto, certamente. Em comparação com as demais formas de arte, a criação literária tem uma relação bastante diferente com a inovação tecnológica. Nós basicamente escrevemos da mesma forma desde a antiguidade. O computador, com a capacidade de corrigir erros com o backspace, tem algo semelhante ao fluxo da escrita no papel e suas rasuras. Como certa vez disse o Piglia, acredito que o gravador de voz tenha sido a ferramenta que mais impactou as formas literárias, mais que a máquina de escrever ou processadores de texto. Porque nos deu a capacidade de reter certas vozes e mimetizá-las como nunca antes em escrita. De qualquer forma, ferramentas como a ChatGPT podem roubar rapidamente esse lugar… É um troço altamente perturbador e com potencial revolucionário

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Também perguntei à ChatGPT sobre a experiência com J.P. Cuenca, e ela respondeu o seguinte:

“Quanto à ficção desenvolvida com J.P. Cuenca, ela foi criada com o objetivo de explorar as possibilidades e limitações da inteligência artificial na narrativa e foi recebida positivamente pela crítica. No entanto, a qualidade é subjetiva e pode variar de acordo com o gosto de cada leitor.”

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Published on January 25, 2023 05:28
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message 1: by Mauricio (new)

Mauricio Tortosa Obrigado de compartilhar Joca


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Joca Reiners Terron
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